A PERCEPÇÃO DO «EU»
1.O auto – conceito e a sua formação
Por auto
– conceito entende – se o conceito que cada um tem de si e usa para se
descrever – falar de si – e compreender – se. É uma espécie de auto – retrato.
O auto – conceito é a
resposta que cada um de nós dá à pergunta «O que sou eu?». A resposta é o
conjunto de crenças que cada pessoa tem acerca de si própria, um conjunto de
atributos pessoais que em nós reconhecemos. Analisando o discurso que as
pessoas fazem quando se descrevem a si próprias, podemos distinguir vários
tipos de atributos:
a)Traços ou qualidades individuais – Podem ser características
de valor geral (sou inteligente, alto, culto, honesto, desconfiado, sério,
etc.) ou particularidades individuais (por exemplo, ser corajoso mas não
suportar o sofrimento psicológico).
b)Estatuto – Posição que se ocupa no
sistema social (adulto, pai, notário, advogado, marido, sindicalista, etc.)
c)Modelos internos – Esta expressão designa as
características fundamentais de funcionamento do corpo e da mente (alguém pode
descrever – se como tendo uma barba que cresce rapidamente, um metabolismo
lento ou que a sua memória funciona melhor quando não lhe dá demasiado
trabalho)
d)Padrões pessoais – Convicções sobre o que somos
habitualmente, sobre o que é o nosso modo de ser habitual (por exemplo,
«Habitualmente sou um mãos – largas») e como deveríamos e gostaríamos de ser
(«Seria bem melhor que fosse mais poupado»).
e) Atitudes a respeito de padrões ou
modelos externos – todos nós temos noção do que nos distingue dos outros ao efetuarmos
aquilo que os psicólogos designam por comparação social («não sou propriamente
um desastre na escola mas a maioria dos meus colegas vai bem melhor do que eu».
O conceito do eu é descritivo e explicativo. Não
só serve para nos apresentarmos aos outros, para nos descrevermos como também
para explicar os sentimentos que experimentamos e as coisas que fazemos. Assim,
por exemplo, dizemos «Uma vez que sou um pouco impulsivo reagi e respondi de
imediato quase sem pensar» ou «Irritei – me porque por vezes perco o controlo».
A maioria dos
psicólogos considera que o conceito de eu
não é uniforme mas sim multidimensional. O eu é constituído por várias dimensões. É único mas assume
diversas formas nos vários âmbitos da vida tais como a escola, a família, o
trabalho, o grupo de amigos, etc. Assim, a par de um conceito geral do eu ou de mim, constituído por
características que nos acompanham sempre – idade, estatura, capacidades e
competências básicas – há um conceito específico do eu constituído por características que podem mudar de um
contexto para outro. Uma pessoa pode pensar acerca de si que, enquanto está no
grupo de amigos é alegre, extrovertido, confiante e em família um pouco
retraído, fechado e pouco à vontade. A estas características específicas dá –
se o nome de esquemas do eu. Estes esquemas estão para o conceito geral
que temos de nós - para o nosso eu global - como os livros estão para uma
biblioteca. Uma pessoa pode considerar – se a si própria como extrovertida ou
introvertida, masculina ou feminina, dependente ou independente, liberal ou
conservadora, optimista ou pessimista. Estes esquemas são quadros mentais
mediante os quais organizamos o mundo e avaliamos o que somos, o que nos
acontece. Influenciam a percepção que temos dos outros e de nós, permitem que
nos avaliemos a nós e aos outros. Em suma, afetam o modo como processamos a
informação social.
Temos auto – conceitos não
acerca do que atualmente somos como também acerca do que poderemos ser, ou
seja, de traços ou caraterísticas que podem servir para nos auto – descrever no
futuro. A estes eventuais auto – conceitos dá – se o nome de «eus
possíveis». Estes eus dizem
respeito a papéis e objectivos tais como o desejo de a criança de cinco anos se
tornar bombeiro ou o estudante se tornar médico. Os nossos eus possíveis são constituídos pelas
percepções acerca do eu que gostaríamos de ser – rico, magro, forte, bem –
sucedido no plano afetivo – mas também perceções do eu que tememos ou não
desejamos vir a ser – desempregado, doente, mal sucedido na escola ou no amor,
alcoólico. Contudo, apesar destes receios, as pessoas pensam acerca do que
serão de forma positiva.
Outro aspecto do eu que influencia os nossos
pensamentos e os nossos comportamentos é a diferença que sentimos entre o que
somos e o que desejamos ser. Os psicólogos dão o nome de auto – discrepância
a esta distância entre as nossas qualidades pessoais e as que gostaríamos de
ter e julgamos também que deveríamos ter. Trata – se da diferença entre o eu ideal – o que queremos e julgamos
que devemos ser – e o eu real.
Quando temos a percepção da discrepância entre o que somos e as qualidades que
desejamos podemos ficar desapontados, tristes e insatisfeitos.
1.1.Como se forma o auto – conceito.
Na formação do auto – conceito podemos
destacar vários factores intervenientes: 1.A interação social; 2- A comparação
social; 3 – O desempenho de papéis; 4 – As experiências pessoais e 5 - Os
factores culturais.
Podemos formar um certo
conhecimento de nós mesmos mediante a nossa própria experiência, observando e
avaliando o nosso próprio comportamento. Podemos observar que preferimos certas
comidas a outras, que algumas actividades nos desagradam e outras nos dão
prazer, que há pessoas de que gostamos e outras cuja companhia evitamos. Ao
analisar estas regularidades no nosso comportamento podemos formar uma
determinada ideia do que somos. A este processo dão os psicólogos o nome de auto
– perceção. Contudo, a maioria dos psicólogos sociais pensa que esta forma
de auto – conhecimento é útil somente no que diz respeito a aspectos do eu que não são centrais ou que são
pouco importantes. Muito do nosso auto – conhecimento advém da socialização, da
interação com os outros. Os estudos de psicologia social mostraram que as
fontes sociais de informação sobre o eu são claramente as mais
importantes. Na relação com os outros temos ocasião de aprender coisa sobre nós
e formar uma ideia mais complexa e articulada de nós mesmos. Não são os
eremitas, nem os pastores solitários que se encontram nas melhores condições
para se conhecerem a si mesmos. Quem tem uma vida social rica, atento ao que
acontece aos outros, ao que estes fazem e dizem está em condições mais
adequadas de formar o seu auto – conceito.
1.1.1.
A
interação social
Ao interagirmos com os outros, o
ambiente social funciona como uma espécie de espelho que reenvia informações sobre o que somos. Como foi salientado pelos
defensores do interacionismo simbólico,
saber como as pessoas se vêem a si mesmas é indispensável para compreender as
suas ações. Para os partidários desta perspetiva, o nosso mundo interior tem
uma origem social. Daí terem mostrado um interesse assinalável no modo como
através das relações sociais se forma a consciência de si. O seu grande mérito
foi o de: 1 – mostrarem que o eu não é uma entidade puramente individual
mas sim uma construção mental que se forma durante a experiência e a interação
sociais; 2 – mostrarem que para obtermos informação sobre nós na interação
social é importante possuirmos a capacidade de descentramento, ou seja, saber
assumir idealmente o papel do outro e vermo – nos como os outros se vêem (ou
imaginam ver – se) na sua posição.
O espelho em que o eu se vê foi como o sociólogo Charles Cooley
descreveu o nosso uso dos noutros como espelho em que nos percepcionamos a nós
mesmos. Vemos o nosso reflexo no modo como somos percepcionados pelos outros.
Herbert Mead, seu colega, acrescentou uma diferença significativa: O que
importa para o nosso auto – conceito não é tanto o que os outros realmente
pensam de nós mas sim o que nós pensamos ou julgamos que eles pensam de nós.
Muitas vezes os outros dizem
– nos abertamente o que pensam de nós. Mas, na maior parte dos casos, as
informações ou opiniões sobre nós não são explicitamente expressas. Descobrimo
- las analisando as «entrelinhas», o que está implícito e raciocinando sobre o
modo como os outros se comportam connosco. Quando os outros pensam bem de nós
isso ajuda – nos a pensarmos positivamente sobre nós. As crianças que são
caraterizadas como dotadas, trabalhadoras, eficientes e solidárias tendem a
incorporar esses traços no seu auto – conceito. Se estudantes pertencentes a
minorias se sentem ameaçados por estereótipos negativos acerca do seu
desempenho académico ou se as mulheres se sentem também ameaçadas por baixas
expectativas sociais acerca da sua capacidade em matemáticas e ciências a
tendência é, em geral, para não se identificarem com estes domínios e
procurarem interesses e auto – realização noutras áreas.
Qualquer interação dá – nos
informações sobre o que somos mas contam sobretudo aquelas provenientes de
pessoas que representam para nós um espelho
importante. Fala – se neste caso de «outros significativos» - a expressão é de
Herbert Mead. É frequente que o outro
significativo seja alguém com quem temos laços importantes – um
progenitor, um familiar, um amigo, um educador, etc) ou que consideremos um
especialista num dado assunto que nos interessa ou mesmo um vizinho que está a
par dos problemas da nossa vida.
1.1.2.
A
comparação social.
Por vezes, quando
queremos saber o que valemos em dada actividade a informação não está
imediatamente disponível. Por exemplo, se quer saber se dança bem, pode
acontecer que não nenhuma pessoa entendida disponível para dar uma opinião.
Pode pensar em perguntar a alguém mas por timidez não o faz. Então, nestas
circunstâncias, avaliamos as nossas qualidades pessoais comparando – nos com
outras pessoas. Saberá se tem algum dote para a dança observando os outros e
verificando se dança melhor ou pior. Este processo de auto – avaliação tem o
nome de comparação social.
O conhecimento que cada um
tem de si baseia – se muito na comparação com os outros.
Comparamo – nos
habitualmente com indivíduos ou grupos de referência, ou seja, com indivíduos
ou grupos que, acerca de determinados aspectos, consideramos modelos a ter em
conta. Pode também acontecer que nos comparemos com modelos ocasionais, pessoas
que, embora não constituam referências estáveis e duráveis, se tornam
significativas em dadas circunstâncias.
A comparação
social fornece critérios, termos de referência para estabelecer o que somos e
como somos. Olhando à nossa volta podemos notar o que temos em comum com os
outros e o que nos distingue deles. Além disso, a comparação com os outros pode
ajudar – nos a resolver dúvidas sobre nós mesmos, esclarecendo se as nossas
opiniões acerca de nós são adequadas. Neste caso, procuramos comparar – nos com
pessoas semelhantes a nós, próximas do nosso nível ou que se encontrem em
situação semelhante à nossa.
O nosso auto –
conceito inclui não só a nossa identidade pessoal – os nossos atributos
próprios – como também a nossa identidade social e cultural. A definição social do que
somos – o grupo étnico, a religião, o género, o grau académico – implica a
noção do que não somos. Na resposta à questão «O que sou eu?» a identidade
social é o conjunto de aspectos que se devem ao facto de pertencermos a vários
grupos sociais: «Sou católico, advogado, angolano, etc». Quando fazemos parte
de um pequeno grupo que vive rodeado por um grande grupo, quando somos a
minoria no seio da maioria dominante, temos maior consciência da nossa
identidade social. Quando fazemos parte da maioria, pensamos menos nessa
dimensão do nosso eu. Como
português que vive na Dinamarca tenho uma consciência mais viva da minha identidade
social e cultural, o mesmo acontecendo com um canadense que viva em Angola. Na Grã –
Bretanha, onde os ingleses são dez vezes mais do que os escoceses, boa parte da
identidade dos escoceses define – se mediante o que os diferencia dos ingleses:
«Ser escocês é, em certa medida, detestar os ingleses ou sentir ressentimento a
seu respeito». Os ingleses não pensam muito, dado pertencerem à maioria, no seu
carácter não – escocês. Na maioria dos hotéis da Escócia, os hóspedes ingleses
escrevem «Britânico - British» no livro de hóspedes, ao passo que os escoceses
– que também são britânicos - escrevem «Escocês». Por sua vez, os estudantes
das universidades inglesas identificam – se mais como britânicos do que como
europeus.
A comparação
social permite avaliar as nossas capacidades, competências e opiniões mediante
a comparação com os outros. Molda a nossa identidade como ricos ou pobres,
muito ou pouco inteligentes, altos ou baixos, cultos ou incultos, fleumáticos
ou temperamentais, dependentes ou independentes, individualistas ou não. Ao
compararmo – nos com os outros tomamos consciência do que deles nos diferencia
e das características que com eles partilhamos.
A comparação
social como forma de consciência de si, está ligada ao contexto sócio –
cultural do indivíduo. O conceito de si, a auto – estima e a identidade
dependem das pessoas com quem vivemos e que constituem os nossos termos de
comparação. Verificou – se, por exemplo, que a generalidade dos melhores alunos
das escolas de nível mais baixo têm uma auto – estima mais alta no que respeita
à instrução e aos resultados escolares. Este fato compreende – se se pensarmos
que os seus colegas são, em geral, termos de comparação medíocres. O contrário
sucede com os alunos de escolas mais seletivas e de alto nível: uma vez que se
relacionam com alunos de alto rendimento, tendem a avaliar com mais severidade
as suas prestações escolares. Num pequeno lago, um peixinho sente – se um
peixe…
Num
experimento datado de 1970, S.J: Morse e K.J. Gergen encenaram uma seleção de
estudantes do ensino secundário para um trabalho de verão. Pedia – se aos
candidatos que preenchessem vários módulos, entre os quais um teste de auto –
estima. Durante uns minutos, os candidatos eram deixados sozinhos a preencher
os testes. Pouco depois entrava um outro candidato que na realidade era um
colaborador do experimentador. Em metade dos casos, era o denominado «senhor
elegante e asseado», com bom aspecto, elegante, com uma pasta da qual tirava um
belo caderno, uma régua e um livro de filosofia. Na outra metade dos casos,
comparecia o «senhor desleixado e mal arranjado», com a barba por fazer, roupa
por passar a ferro, sonolento e com um livro pornográfico na mão. Os indivíduos
que fizeram o teste de auto – estima na presença do «senhor elegante e asseado»
consideraram – se melhores do que os outros. A comparação dos indivíduos com o
modelo ocasional influenciou o seu teste de auto – estima. Deve notar – se que
os participantes viviam um momento de incerteza porque se candidatavam a uma
prova e que a pessoa que surgia na sala era considerada um competidor, um
semelhante.
1.1.3.
O
desempenho de papéis.
Quando as pessoas, na vida
social, interpretam um papel facilmente desenvolvem uma consciência de si. Isto
vale para os papéis estáveis e formais – professor, advogado, burocrata, pai,
marido, etc – e para os papéis ocasionais e informais como tomar posição numa
discussão, fazer de cavalheiro ou de «mauzão», etc. Os papéis que desempenhamos
moldam a nossa personalidade. Num famoso estudo de como o papel que interpretamos
pode influenciar a nossa personalidade e a maneira como nos vemos, R.K. Merton
analisou a relação entre papéis burocráticos e a personalidade. Observou que o
burocrata tende a ser metódico, prudente e disciplinado mesmo quando isso não é
necessário para a sua actividade e mesmo quando não a está exercer. Ou seja,
tende a ser metódico, prudente e disciplinado em todas as áreas da sua vida.
Fazemos repetidamente as ações que estão previstas no nosso papel – que
correspondem às expectativas dos outros – comportamo – nos daquela forma e por
uma questão de coerência acabamos por acreditar que afinal de contas somos
assim. Por exemplo, o burocrata pensará: «Se faço habitualmente o papel de
indivíduo metódico isso quer dizer que sou metódico e organizado. As
expetativas e exigências sociais associadas a um certo papel traduzem – se em
comportamentos habituais e o comportamento habitual em convicção de que somos
realmente assim.
1.1.4.
As
experiências pessoais.
O auto – conceito é
igualmente influenciado pelas nossas experiências quotidianas. Aceitar tarefas
desafiadoras mas ao mesmo tempo realistas e ser bem sucedido promove o
sentimento de si como competente. Segundo vários investigadores, entre os quais
Bandura, dominar as competências físicas necessárias para repelir um assalto
sexual, dá às mulheres uma sensação de controlo da situação reduzindo
significativamente a vulnerabilidade e a ansiedade. Após vários testes bem
sucedidos, muitos estudantes formam um auto – conceito muito positivo acerca
das suas capacidades académicas, o que por sua vez reforça e estimula a vontade
de trabalhar mais e obter ainda mais sucesso. Dar o melhor e conseguir ser dos
melhores dá auto – confiança e uma agradável sensação de poder.
O princípio «O sucesso é o combustível da auto – estima»
foi adoptado por alguns psicólogos que pensaram que a auto – estima poderia ser
fortalecida e aumentada com mensagens positivas («Tu és alguém! Tu és
especial!). A baixa auto – estima causa por vezes graves problemas. As pessoas
com uma boa opinião de si mesmas são mais felizes, menos neuróticas, menos
perturbadas por úlceras e insónias, menos propensas ao uso de drogas e abuso de
álcool e mais persistentes e lutadoras após algum insucesso. Por outro lado,
problemas e fracassos estão na origem de baixa auto – estima. Os sentimentos
seguem a realidade. Conforme vencemos desafios e aprendemos competências a auto
– estima sobe. Se acontece o contrário, se os fracassos se sucedem, a auto –
estima desce. Contudo, as mensagens positivas referidas são simplesmente uma
parte do processo de tentativa de melhorar a nossa imagem perante nós. A auto –
estima numa criança, por exemplo, não se constitui meramente através de
mensagens positivas – dizer – lhes que são únicas, maravilhosas, especiais e
que basta querer para conseguir. É preciso que elas trabalhem e se esforcem por
ser bem sucedidas.
No capítulo das experiências
pessoais devemos destacar também a importância das experiências sociais
indiretas. Não é necessário entrar diretamente nas interações, nas comparações
sociais e na interpretação de papéis. Podemos constituir aspectos do nosso eu
mediante as experiências sociais de outras pessoas com as quais de algum
modo nos identificamos (pessoas a que estamos ligados, das quais nos sentimos
próximos, grupos a que pertencemos ou dos quais somos adeptos, seguidores ou
admiradores). Assim sendo, uma má opinião sobre a nossa escola diminui um pouco
o valor que nos atribuímos, tal como o fracasso do nosso clube ou de alguém que
admiramos. Por outro lado, saber que a nossa escola está no top das melhores
escolas inflaciona o nosso ego, o sucesso e a fama de um antigo colega, fazem
com que desfrutemos de uma glória reflexa ou indireta, tal como a vitória do
nosso clube ou da seleção do nosso país.
1.2.
A
auto – estima: a avaliação de si mesmo.
Quando pensamos em nós não
nos limitamos a compreender como de facto somos mas também nos avaliamos.
Avaliamos como positivo ou negativo determinado aspecto ou característica que
nos pertence estabelecemos quão positivo ou negativo é. Uma pessoa não é
simplesmente estudante ou professor. Avalia – se como bom ou mau estudante,
como bom ou mau professor, como indiferente ou empenhado. Não nos vemos
simplesmente como tendo um rosto e um corpo mas também como tendo um rosto ou
um corpo atraentes ou não. A nossa personalidade, o nosso eu, não é um conjunto
de características neutras: temos traços ou características de que gostamos ou
de que não gostamos.
A auto – estima é o conjunto de
avaliações ou de juízos de valor que um indivíduo faz sobre si mesmo. É o
sentimento do valor que temos ou que julgamos ter.
A auto – estima é a
componente afetiva da nossa personalidade, o conjunto de auto - avaliações
positivas ou negativas acerca do que somos.
O auto – conceito (as nossas
crenças e conhecimentos acerca do que de facto somos) e a auto – estima estão
intimamente ligados porque quando pensamos no que acreditamos ser, há a
tendência para nos avaliarmos e para nos avaliarmos temos de saber como somos.
Contudo, em contraste com o conceito de si ou auto – conceito, na auto – estima
prevalece o factor emocional.
Tal como o nosso auto –
conceito, a nossa auto – estima é multidimensional, ou seja, é constituída por
várias dimensões. O modo de nos auto – avaliarmos varia de um âmbito da vida,
ou de um aspecto do eu, para outro. Por exemplo, no que respeita à nossa vida
académica podemos considerar – nos bons alunos, bons professores ou bons
investigadores ao passo que no respeitante ao nosso aspecto físico podemos
avaliar – nos negativamente, ou seja, como excessivamente pesados, muito baixos
ou mesmo feios.
Por outro lado, a auto –
estima varia com o tempo. Dependendo da situação, por vezes sentimo – nos bem
com o que somos e fazemos ao passo que noutras alturas nos sentimos mal.
Estudos revelaram que a passagem do primeiro ciclo do ensino para o segundo, em
virtude de desafios mais complexos, produz em muitos estudantes uma descida da
sua auto – estima. Contudo, a pouco e pouco na maioria dos casos, a auto –
estima volta a aumentar. A auto – estima é relativamente flutuante. Assim, num
curto espaço de tempo pode subir e descer: sentimo – nos bem após um bom
resultado num teste e mal – com fraca auto – estima – após um teste fracassado.
Todos nós passamos por
momentos de baixa auto – estima, sobretudo após fracassar num objectivo
importante, e há pessoas que são cronicamente deficientes em auto – estima.
Neste último caso, as consequências são desagradáveis e profundas, tais como
doenças físicas, perturbações psicológicas e dificuldade em lidar com situações
de ansiedade ou momentos em que somos postos à prova.
Uma baixa auto – estima é prejudicial
Uma baixa auto – estima é
prejudicial porque pode tornar – parte daquilo a que os psicólogos chamam o ciclo
do fracasso. Pense no caso do aluno que, com baixa auto – estima, com
tendência para desvalorizar as suas capacidades de aprendizagem, se prepara
para enfrentar um teste. Devido à sua fraca auto – estima, a sua expetativa é a
de que vai ter um fraco resultado. Esta perspectiva negativa, por sua vez,
produz uma grande ansiedade que pode conduzir a uma redução do esforço a
aplicar no estudo - «Para quê estudar se sou um incapaz?». Altos níveis de
ansiedade e redução do esforço conduzem a um resultado negativo, a um fracasso
no teste. Este fracasso reforça ou consolida a baixa – auto – estima, criando
expetativas negativas para um próximo desafio. E assim, o ciclo do fracasso
continua.
Uma alta auto – estima pode ser prejudicial
Uma elevada auto – estima,
ter – e em boa conta, é frequentemente uma atitude positiva. Contudo, nem
sempre á assim.
NOTA NA MARGEM - Normalmente, as pessoas com boa auto –
estima são pessoas com um bom conhecimentos das suas capacidades e limitações,
isto é, sabem o que podem fazer bem e em que domínios da vida não serão tão bem
– sucedidos. Estudos mostraram que as pessoas com boa auto – estima têm um
melhor conhecimento de si mesmas do que as pessoas com fraca auto – estima.
Certos estudos mostram que
pessoas com alta auto – estima podem sobrestimar, em determinadas
circunstâncias, as suas capacidades. Isto acontece especialmente quando as suas
capacidades são objecto de desafios ameaçadores. Por outro lado, a ideia errada
que têm de si mesmos e das suas competências, podem conduzi – las a assumir
compromissos que excedem o que está ao seu alcance. Noutros casos, quem tem uma
elevada auto – estima pode adoptar comportamentos violentos quando a opinião
muito favorável que tem de si mesma é ameaçada ou posta em causa por uma dada
pessoa ou circunstância. É provável que tivesse sido esta a razão que levou um
estudante da Califórnia a matar três professores quando se apercebeu de que a
sua classificação podia descer nas provas orais a que iriam submetê – lo.
1.2.1.Como nos auto – avaliamos?
A auto – estima é algo
complexo, não só devido à sua estrutura multidimensional como também por ser o
resultado de processos de auto – avaliação que nada têm de simples.
Costuma – se pensar que nos
auto – avaliamos confrontando simplesmente o nosso eu real com o nosso eu ideal, o que somos de facto com o
que desejaríamos ser. Na verdade, o processo é mais complexo e envolve vários
elementos a que os psicólogos chamam padrões. Podemos destacar quatro critérios
de auto – avaliação:
a)Padrões pessoais ideais.
Exprimem o nível que se
gostaria de alcançar ou que pensamos que devemos atingir. Ex: «Seria melhor que
me empenhasse mais nos estudos» ou «gostaria de ser um estudante mais aplicado
e organizado».
b)Padrões pessoais normais.
Exprimem o nosso modo
habitual de ser. Ex: «Habitualmente sou um pouco preguiçoso e dedico – me pouco
ao estudo».
c)Padrões sociais – São estabelecidos pelo grupo
de referência a que pertencemos ou por outras pessoas de significativa
importância. Ex: «Os meus colegas estudam mais do que eu e muitos obtêm por
isso melhores resultados».
d) Padrões mínimos – Dependem do que consideramos
ser o nível mínimo aceitável. Ex: «Não sou daqueles que estudam muito mas
alguma coisa faço».
Adotamos este ou aquele
padrão – critério de auto – avaliação – conforme os casos. Assim, se penso numa
prova de atletismo que estou prestes a disputar, terei a tendência para avaliar
a minha prestação atlética comparando – me com os outros atletas. Se não me
sinto em forma referir – me – ei às minhas condições atléticas habituais. Ao
planear a minha preparação para a prova é muito provável que tenha em mente
padrões ideais, como conquistar um lugar no topo.
2.Estratégias
de manutenção de uma identidade pessoal positiva: como procuramos manter a
nossa auto – estima.
Habitualmente temos uma razoável noção das nossas
virtudes e dos nossos defeitos. Contudo, não olhamos para nós da forma
relativamente desapaixonada com que frequentemente olhamos para os outros. Na
verdade, a maioria das pessoas procura proteger – se de informações dolorosas,
pouco agradáveis. Em boa parte dos casos, quando nos confrontamos com opiniões
negativas acerca de nós mesmos, interpretamos essa informação de uma forma que
preserve e proteja a impressão positiva que temos de nós.
Adoptamos várias estratégias para manter a auto –
estima:
1 – A
afiliação orientada ou auto - consistência – Para manter e proteger a avaliação que fazemos de nós, é habitual que
procuremos associar – nos com pessoas e grupos que confirmem a imagem que temos
de nós. Não é necessário que o façamos com palavras. O que importa é que,
estando com essas pessoas e grupos, as comparações que fazemos, os papéis que
desempenhamos, as interações em que participamos e as experiências
indiretamente vividas acabem por reforçar a ideia que temos de nós. Por auto –
consistência entende – se a tendência para interpretar as opiniões dos outros
ajustando – a à forma como nos vemos a nós mesmos e também a tendência para
preferir pessoas que confirmam o que pensamos de nós. Como a maioria das
pessoas têm uma imagem positiva de si, preferem normalmente informações ou
opiniões positivas que reforcem a sua auto – estima. Pessoas
que não gostam de si mesmas como é o caso das pessoas com inclinação para a
depressão preferem também a companhia de pessoas que têm uma visão negativa de
si mesmas.
2 –
Atribuir a nossa incompetência ou os nossos defeitos às circunstâncias e não a
disposições pessoais ou características pessoais (Actor – Observer bias).
Imagine que está numa longa fila de trânsito que
avança muito lentamente. A certa altura começa a buzinar com muita frequência.
Se lhe perguntarem porque faz isso diz que o seu comportamento se deve ao
desejo de chegar a tempo a uma reunião importante em vez de, como pensarão
outros condutores se dever a um temperamento rude e impaciente. Por outras palavras,
defende que o seu comportamento é simples reação à situação e não algo que
tenha a ver com a sua personalidade: a situação é que provocou a sua má
disposição. Deste modo, sobrevalorizou o factor situacional e subvalorizou o
factor disposicional. O que fizeram os condutores que o julgaram rude e impaciente?
Sobrevalorizaram o fator disposicional atribuindo o seu comportamento a
características relativamente estáveis como o temperamento e o caráter. Por que razão os observadores tendem a
atribuir certo comportamento a factores internos ou disposicionais –
temperamento e carácter – ao passo que os atores tendem a atribuir os seus
comportamentos a factores externos, isto é, à situação que é vivida?
A primeira razão tem a ver com diferenças percetivas.
Quando os atores estão envolvidos numa situação, a sua atenção centra – se no
que acontece no mundo externo. Por seu lado, os observadores, em vez de
responderem ao que acontece à sua volta, centram a sua atenção sobretudo no
comportamento dos atores.
Outra razão para a diferença de avaliação dos
comportamentos é o facto de os atores terem mais informação do que os
observadores acerca de si mesmos. Sabem o que se passa com a sua vida, se estão
nervosos ou aborrecidos com alguma coisa que aconteceu na noite passada ou em
dias anteriores, sabem que em diversas situações se comportaram de modo
diferente. Vejamos: Porque tenho de entregar um trabalho importante a um dos
meus professores e me atrasei posso, para remediar a falta de cuidado, passar
toda tarde na biblioteca da escola a trabalhar freneticamente. Quem me vir – o
observador – pode pensar que sou um estudante muito aplicado. Na festa para que
fui convidado, depois de vários meses em que me dediquei ao meu trabalho dancei
toda a noite. O observador ou os observadores poderão pensar que sou muito dado
a festas dada a minha vitalidade e disponibilidade. Posso limpar a minha casa
de banho e a cozinha durante várias horas para receber a visita dos meus pais
porque me tenho descuidado demais. Um determinado observador que não conheça
esse facto pode julgar que tenho alguma obsessão com a limpeza.
3 –
Erguer obstáculos difíceis de ultrapassar
Todos gostamos de ser bem sucedidos. Mas a verdade é
que o fracasso é uma possibilidade sempre em aberto. Como o fracasso reduz a
nossa auto – estima e é desagradável, usamos muitas vezes uma táctica a que os
psicólogos sociais dão o nome de self –
handicapping para lidar com ele de forma a proteger o nosso ego. Esta
táctica consiste em criar situações que possibilitem atribuir o fracasso ou
fracos desempenhos não à nossa incapacidade mas a factores externos ou a causas
menos dolorosas para a nossa auto – estima.
Pessoas muito inseguras, que não confiam ou acreditam
nas suas capacidades, tendem a envolver – se em ações das quais resultam
obstáculos que impedem o sucesso. Deste modo, quando mais tarde tiverem de
enfrentar o insucesso podem atribuí – lo ao obstáculo e não à sua falta de
capacidade ou de talento. O aluno que, com a expectativa de obter negativa no
teste de matemática, fica acordado quase toda a noite pode proteger a sua auto
– estima atribuindo o fracasso à fadiga e não a deficiências próprias.
Não nos limitamos a criar obstáculos auto –
desculpabilizantes e ato – protetores. Também invocamos características pessoais
para proteger a imagem que temos de nós e reduzir a frustração. É o caso de
pessoas que atribuem à ansiedade que as caracteriza em situações difíceis o seu
fraco desempenho, de pessoas que se desculpam com doenças, com a sua timidez ou
outros factores internos difíceis de controlar.
4 – Auto
– desculpabilização.
Uma coisa é criarmos obstáculos que protejam a nossa
auto – estima perante o fracasso, outra coisa é usar o que nos acontece, as
circunstâncias, para nos desculpabilizarmos perante o insucesso. Assim, podemos
usar as circunstâncias como forma de nos desculparmos por não sermos bem
sucedidos: «O cão ladrou toda a noite e não me deixou dormir»; «O relvado não
estava em condições»; «O árbitro não assinalou uma grande penalidade»: «A minha
avó esteve doente».
A sabedoria popular aconselha – nos a não inventar
desculpas e a aceitar as nossas ações e as suas consequências. Estudos recentes
mostraram que as pessoas com tendência para a auto – desculpabilização têm auto
– estima superior, melhores desempenhos e mesmo melhor saúde física do que as
que recusam apelar a desculpas perante insucessos.
O processo de auto – desculpabilização é um processo
em que atribuímos as razões do nosso fracasso a causas menos importantes e
centrais. Assim, poupamo – nos ao confronto com a verdade. Normalmente,
desviamos do interior – fatores pessoais como incapacidade, fraca inteligência
– para o exterior, para as circunstâncias, as causas do insucesso. Centrando –
nos mais na situação do que em nós, protegemos em certa medida a imagem que
temos de nós.
5 –
Ilusões positivas
Muitas pessoas têm uma percepção exageradamente
positiva das suas capacidades e talentos. A esta percepção de si que não
corresponde à realidade mas que protege a auto – estima dão os psicólogos o
nome de ilusões positivas. Por
exemplo, quando se pede à maioria das pessoas para se descreverem e descreverem
os outros usando adjetivos positivos e negativos, a tendência generalizada é
para se avaliarem de forma mais positiva a si mesmas do que aos outros. Damos
mais relevo e relembramos mais facilmente informação positiva acerca de nós
mesmos enquanto a informação negativa ocupa lugar muito menos destacado.
Atribuímos a causa do nosso sucesso às nossas capacidades e o insucesso a «um
mau dia» ou «a falta de condições».
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