quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Preconceito e Discriminação: o Racismo



"Os homens acreditaram muito tempo que o Sol girava em torno de uma Terra imóvel. O senso comum pretendia também que se classificasse a humanidade segundo as semelhanças físicas como a cor da pele, a forma da cabeça, o cabelo, o tamanho...
Durante dois séculos, os antropólogos, alguns entre os mais eminentes da sua época, tentaram confortar estas evidências, for­jando o conceito de raça. Os seus trabalhos serviram ao longo da história moderna para justificar as piores atrocidades, todas as bar­báries.
As descobertas da Biologia moderna, em particular as da Genética, destruíram totalmente aquelas teorias potencialmente criminosas.
Como diz o Prémio Nobel François Jacob: "Para a nossa espécie, o conceito de raça não é um conceito operacional." Mediante a análise dos sistemas sanguíneos, das defesas imuni­tárias, a exploração do genoma, a Genética teve acesso às nos­sas características moleculares escondidas e forneceu-nos reve­lações espectaculares: à excepção dos verdadeiros gémeos, cada um dos cinco biliões de seres humanos do Planeta tem um patri­mónio genético diferente. Cada indivíduo é único. Paradoxal­mente a Genética mostra-nos também o extraordinário paren­tesco entre todas as populações. Estas têm todas aproximada­mente os mesmos genes, havendo todavia frequências variáveis de acordo com os laços mais ou menos recentes que estabelece­ram entre si.
Os avanços científicos permitem mesmo traçar a história da humanidade. As conclusões de apaixonadas investigações de várias equipas de biólogos, confirmadas pelos trabalhos de Paleontolo­gia, revolucionaram as ideias sobre a evolução do homem moder­no. Afirmam a origem única de todas as populações actuais. O Homo sapiens teria nascido há 100 000 anos aproximadamente, algures entre a África Oriental e o Médio Oriente. As populações ter-se-iam diferenciado em seguida de modo contínuo, de acordo com as suas migrações. E as semelhanças físicas? Elas resultam de uma selecção relativamente rápida onde intervém de facto a seme­lhança dos ecossistemas originais. É esta selecção que explica, por exemplo — escreve André Langaney —, as convergências entre Papuas e Africanos-Equatoriais, entre Tibetanos, Ameríndios dos Altos Andes e Esquimós, etnias geneticamente afastadas.
Se a noção de raça não tem fundamento, o racismo continua a existir. Há mudanças e relações sociais que o alimentam. Não obs­tante, a tarefa mais nobre da ciência é a de combater as ideias fei­tas e recebidas, os preconceitos, isto é, ir para lá das aparências."
Editorial da revista Sciences et Avenir, 540, Fevereiro de 1992.

O que caracteriza o racista? A tendência para classificar os diversos grupos humanos em inferiores e superiores, afir­mando que essa superioridade é biológica: a ideia de uma hierarquia baseada na natureza, a crença de que há homens naturalmente superiores a outros e de que a cultura e a educarão. não podem modificar esse dado imutável, comanda a visão racista do mundo. Noutros termos, afirma a existência de raças (de grupos humanos radicalmente distintos de outros) e a desi­gualdade entre as raças: esta raça é superior, aquela inferior e quem pertence a uma raça inferior será sempre inferior. Assim o racista vê o mundo.
A ideia de que há grupos ou populações humanas absolu­tamente diferentes de outras, de que a humanidade não tem um "tronco comum", está na base da ideia de raça. Esta ideia conduz o racista a defender a pureza racial, ou seja, a luta contra a mestiçagem (casamentos mistos entre, por exemplo entre negros e brancos, judeus e não-judeus, etc.), contra o intercâmbio cultural, visto sempre como abastardamento. Para o racista, aqueles que não se defendem destes contactos nocivos são contaminados pelos outros, "pelos que não são como nós" e considerados perdidos para a raça. Com o intuito de preservar a dita pureza racial, tomaram-se, em determinadas épocas da história, medidas que foram desde o apartheid na África do Sul ao genocídio de milhões de judeus pelos nazis. O racismo oficial, institucionalizado, isto é, apro­vado como prática de certos Estados, está, ao que parece, ultrapassado. Contudo, no quotidiano das nossas sociedades, o discurso racista circula. Depois de ter mostrado a sua verdadeira face em tragé­dias humanas como a escravatura de milhões de africanos, o delírio anti-semita dos nazis e a aberração do apartheid sul-africano, o racismo é actualmente um discurso fora-da-lei. Mesmo aqueles que são racistas não o declaram abertamente — sob pena de descrédito junto da comunidade internacional, da opinião pública — e refu­giam-se em subtilezas como "racialismo", "defesa da identidade da nação". Seria ingénuo pensar que, se enquanto teoria ou discurso político o racismo parece ter desaparecido, ele não se manifeste em actos.
O racismo teve durante muito tempo pretensões científicas e muitos homens considerados "cientistas" tentaram dar-lhe um fundamento científico. A actual investigação científica nega qualquer base objectiva a essa ideologia nefasta, considerado o atentado supremo aos direitos humanos. A Biologia mostrou que a noção de raça — e por consequência a ideia de desigualdades inevitáveis, por­que de origem natural — é cientificamente inaceitável.

Na actualidade muita gente acredita erradamente que os seres humanos podem com facilidade separados em raças biologicamente diferentes. O que não é surpreender dado muitos teóricos terem feito numerosas tentativas para classificar a população mundial por raças. Alguns autores distinguiram quatro ou cinco raças principais, enquanto outros reconheceram nada menos que três dúzias. Contudo, foram encontradas demasiadas excepções nestas classificações para que fossem consideradas válidas.
Pressupõe-se, por exemplo, que o «negróide», uma tipologia usada com muita frequência, seja composto por pessoas com pele escura e cabelo encarapinhado, para além outras características físicas. Contudo, os primeiros habitantes da Austrália, os aborígenes, têm pele escura, mas cabelo ondulado e, por vezes, loiro. Pode encontrar-se uma série exemplos que desafiam qualquer classificação simples. Não há, para sermos rigorosos, raças, mas apenas uma gama de variações físicas de seres humanos. As diferenças de tipo físico dos grupos de seres humanos resultam da procriação da população, a qual varia de acordo com o grau de contacto entre diferentes grupos sociais e culturais. Os grupos populacionais humanos não são distintos, formam um continuum. A diversidade genética dentro de uma mesma população que partilhe óbvios traços físicos é tão grande como a diversidade entre populações. Estes factos levam muitos biólogos, antropólogos e sociólogos a concluir que o conceito de raça devia ser completamente posto de lado.

Anthony Giddens, “Sociologia”, Fundação Calouste Gulbenkian


 As Aparências iludem


As aparências evidentes são enganadoras. Uma jovem do Congo à esquerda, um indiano no meio e um melanésio à direita... as distâncias genéticas constantes entre as populações africa­na e melanésia são contudo das mais amplas possíveis. O indiano, situado a meio caminho genético e geográfico entre estes dois extremos, confirma que as divisões imaginadas a partir de critérios físicos (a cor da pele, a forma do rosto) não têm fundamento científico.






Estas três pessoas, um navajo, à esquerda, um inuit, ao meio, e uma tibetana, à esquerda, apresentam uma semelhança física extraordinária. As suas três regiões de origem, os Estados Unidos, a Gronelândia e a Ásia Central, estão contudo a milhares de quilómetros umas das outras. As "convergências" do aspecto físico resultam de processos selectivos recentes e "escondem" diferenças genéticas significativas. Não são, portanto, um indício fiável de uma origem comum.



Informação complementar
1. Não há raças
«A Genética das populações humanas actuais forne­ce dois resultados extremamente simples sobre os quais não há o mínimo desacordo entre os especialistas. O pri­meiro, conhecido há já trinta anos, mas do qual se está longe de tirar todas as consequências, é o de que a pro­criação sexuada não produz nunca duas vezes o mesmo indivíduo. À excepção dos gémeos verdadeiros, cópias conformes saídas de um mesmo ovo, os 5 biliões de homens modernos actuais, e os quase 75 biliões que os antecederam, não receberam nunca duas vezes o mesmo património genético. Este património de três milhões de sinais por pessoa, cuja organização o projecto "Genoma humano" tenta explorar, varia sistematicamente de indi­víduo para indivíduo.
O segundo resultado estabelecido há pouco tempo (e ainda discutido por não-geneticistas cujas opiniões são por ele feridas) é o de que "a maior parte dos genes das populações humanas estão presentes em todas ou quase todas as populações, todavia com frequências muitas vezes bastante diferentes de uma população para outra". Nestas condições, os genes conhecidos até à data não permitem, em geral, identificar com certeza a pertença de um indivíduo a uma dada população. Deste modo, não é possível hoje em dia efectuar classificações raci­ais coerentes, nem segundo o ADN, nem os grupos san­guíneos, nem segundo a cor da pele, nem segundo o tamanho do crânio ou do corpo.
A diversidade genética dos humanos é enorme e considerável no interior de uma mesma população, e relativamente fraca entre as várias populações, pelo que não pode dar azo a classificações simplistas.
Estes resultados, hoje evidentes para quem conhece o estado das investigações em Imunologia e Biologia Molecular, são completamente paradoxais em relação com as teorias passadas da Antropologia dita clássica (de facto, sobretudo colonial). São também amplamente contrárias à nossa experiência sensível, imediata. Estamos habituados a julgar os homens em termos de semelhanças físicas e em especial se são parentes próxi­mos: dois irmãos, duas irmãs, um pai e o seu filho "asse­melham-se como duas gotas de água", diz-se habitualmente. Os habitantes de uma mesma aldeia, de uma mesma região "assemelham-se todos"; todos os Chineses [ou os Africanos, ou os Árabes, ou os Franceses] são parecidos. Por hábito julgamos que as semelhanças físicas servem para identificar certos gru­pos e os distinguir de outros. Mas as aparências enga­nam: aqueles que parecem muito próximos sob certos aspectos superficiais estão mais afastados do que se poderia pensar quanto a aspectos fundamentais que não estão ao alcance da experiência sensível imediata.
Com efeito, a Genética ensina-nos que o sangue do pai francês cujo filho se parece tanto (exteriormente) com ele pode matar este instantaneamente, ao passo que pode ser salvo por uma transfusão proveniente de um chinês ou de um papua de grupo sanguíneo compatível. Quem é fisicamente semelhante pode não o ser em ter­mos genéticos, e vice-versa. (...)
Resumamos os resultados desta investigação sem precedentes. O "Homem moderno" — tal como os cien­tistas o qualificam — teria aparecido há 100 000 ou 150 000 anos, algures entre a África Central e o Médio Oriente. Impelido pelo gosto das viagens e por uma sexualidade vigorosa — as suas duas características principais segundo o paleontólogo Stephen Jay Gould — teria conquistado sucessivamente a Ásia, a Oceânia, a Europa e a América. Tudo isto no tempo recorde de 60 000 a 80 000 anos. A título de comparação, o nosso predecessor imediato o Homo erectus, acantonou-se no Antigo Mundo durante 1,5 milhões de anos, sem atingir a Oceânia nem a América.
No seu ímpeto colonizador, a nossa espécie não teve tempo para formar raças. O "Homem moderno" não parou de saltar fronteiras, pelo que nenhuma popu­lação esteve isolada o tempo suficiente para se diferen­ciar fortemente. A mestiçagem generalizada pratica-se há 80 000 anos. As populações actuais podem, contudo, ser classificadas em sete grandes famílias — Africanos, Caucasianos, Norte-Asiáticos, Ameríndios, Sul-Asiáticos, insulares do Pacífico e Australianos. Estas famílias não são raças no sentido tradicional da palavra e não correspondem à tradicional divisão entre Brancos, Amarelos e Negros. Assim, encontram-se Negros em África e nas ilhas do Pacífico, duas famílias muito afas­tadas uma da outra. Outro assunto para meditar: os pri­mos mais próximos dos Europeus são os Iranianos e os Norte-Africanos. (...)"
Artigo da Revista Science et Vie, n. ° 540

2. Não há nenhum grupo humano naturalmente superior a outro
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Do século XVIII até tempos bem recentes, cientistas ocidentais procuraram provar a superiorida­de natural dos Brancos. Por todos os meios, mas sem sucesso.
«Os navegadores e os exploradores da Renascença — Cristóvão Colombo em particular — trouxe­ram para a Europa narrativas de viagem nas quais sublinhavam que a aparência física dos homens vari­ava de um continente a outro. Mas foi só no século XVIII que apareceu, com a ciência da classificação estabelecida pelo botânico sueco Carl von Linné (1707-1778), a noção de raças humanas. Os Ocidentais sabiam desde a Antiguidade que existiam em África populações de pele mais escura ou negra — ver os textos de Heródoto ou certas passagens da Bíblia como o Cântico dos Cânticos, em que a apaixonada diz: "Sou negra, mas sou bela.". Contudo, não tinham ainda formado o conceito de raça.
Linné divide a humanidade em quatro raças no seu Systema naturae: ["O Europaeus albus (...) enge­nhoso, inventivo, branco, sanguíneo e governado por leis; o Americanas rubescens (...) contente com o seu destino, amando a liberdade, avermelhado e irascível. Governa-se de acordo com os seus costumes; o Asiáticas luridus, orgulhoso, avaro, amarelado, melancólico. É governado pela opinião; o Afer niger, astuto, preguiçoso, negligente, negro, fleumático. É governado pela vontade arbitrária dos seus sonhos."]
Encontramos nestas linhas a mistura habitual de caracteres físicos (cor da pele) e morais (precon­ceitos racistas) que não resiste à menor crítica. O critério da cor da pele é contraditório no interior da classificação de Linné. Que faria ele de um natural do Sri Lanka, completamente negro, mas que deve­ria ser amarelado para se enquadrar na categoria do Asiáticas Luridus? Quanto aos caracteres morais supostos, para que fosssem "raciais", seria preciso que não só existissem raças, mas que esses caracte­res fossem efectivamente hereditários!
Na sequência de Linné, os cientistas não cessaram de classificar as populações humanas em raças e de classificar essas raças segundo uma hierarquia. E qualquer que fosse o critério que empregassem, obtinham sempre o mesmo resultado: os Brancos estavam no cimo da escala, os Amarelos no meio e os Negros em baixo. Como disse recentemente o antropólogo americano Peter Farb, para os cientistas europeus da época, esta hierarquia deveria parecer racional porque "não se tinham os Ocidentais tor­nado senhores da terra inteira?".
Antes da invenção da teoria da evolução por Darwin (em 1859), esta hierarquia era justificada, apa­rentemente, pela doutrina da Criação. Mas duas escolas enfrentavam-se: a dos monogenistas e a dos poligenistas. Os primeiros defendiam a teoria de que Adão e Eva tinham sido criados brancos e que com o desenrolar do tempo alguns dos seus descendentes tinham conhecido um processo de degrada­ção do tipo original, tornando-se a sua pele cada vez mais escura; os poligenistas sustentavam, não hesitando em violar a Bíblia, que existiram vários e distintos Adãos e Evas. As linhagens dos "Brancos", dos "Amarelos" e dos "Negros" tinham sido criadas separadamente, pertencendo a cada grupo dife­rentes características físicas e mentais. Por exemplo, a raça branca era apta para o trabalho intelectu­al e a raça negra para o trabalho manual. A teoria poligenista foi defendida nos EUA do século xix por cientistas como Louis Agassez e Samuel Morton, servindo para justificar a escravatura neste país.
A partir do advento da teoria darwiniana, a existência de raças humanas foi explicada pela teoria da evolução. Para Darwin, a evolução das espécies fazia-se mediante o aperfeiçoamento das raças em certas aptidões. Havia forçosamente, para alguns intérpretes desta doutrina, no seio da espécie huma­na actual raças atrasadas no plano das performances mentais, mais próximas do que as outras do chim­panzé. E os Brancos eram evidentemente a raça superior.
Todavia, em 1962, um reputado antropólogo americano, que chegou a ser presidente da Sociedade Americana de Antropologia, Carleton S. Coon, publicou uma teoria denominada "origem policêntrica das raças humanas". Segundo Coon, as raças branca, amarela e negra não se tinham formado a partir das mesmas raças da espécie imediatamente ancestral do Homo sapiens, isto é, o Homo erectus. [Sabe-se hoje em dia que a espécie macaco ancestral não deu directamente origem à espécie humana actual Homo sapiens, mas sim em primeiro lugar a uma espécie de australopiteco. Esta por sua vez deu origem de seguida à primeira espécie do género Homo, o Homo habilis, do qual, por seu lado, surgiu o Homo erectus e finalmente, desta, o Homo sapi­ens.] Para Coon, a raça branca teria descendido de uma raça europeia do Homo erectus, a amarela de uma raça asiática do Homo erectus e a negra africana dessa mesma espécie de Homo. Como a espécie Homo erec­tus apareceu há 1,5 milhões de anos, as aptidões biológicas das raças humanas actuais teriam tido, segundo Coon, muito tempo para se diferenciar. De acordo com o mesmo autor, os antepassados das raças branca e amarela, que sempre tinham vivido sob climas frios, tinham sido determinados pela selecção natural ao desen­volvimento de uma inteligência fundada sobre o sentido da inovação técnica (porque a invenção de utensíli­os e de técnicas permitia enfrentar as condições de vida, difíceis naqueles climas). Deste modo, os "Brancos" e os "Amarelos" teriam hoje, biologicamente, uma inteligência superior à dos "Negros". Esta teoria foi reto­mada na década de 70 pelo geneticista sul-africano J. D. Dofmeyr e por biólogos franceses de extrema-direita. Estes últimos publicaram, sob pseudónimo, em 1977, um livro intitulado Raça e Inteligência, no qual escre­viam que a selecção natural tinha favorecido em África "os indivíduos menos activos", o que não tornou pos­sível "jogar a favor do desenvolvimento biológico da inteligência" — contorção estilística para não revelarem abertamente o seu ponto de vista racista, segundo o qual os "Negros" seriam congenitamente preguiçosos e, por conseguinte, menos inteligentes. As investigações mais recentes em genética como as de Luigi Luca Cavalli-Sforza ou de A. C. Wilson provam que a teoria policêntrica de Coon está errada: as populações mun­diais da espécie humana derivam todas de uma mesma população de Homo sapiens, a aparecida em África há 200 000 anos. Além disso, as investigações mostraram que as diferenças genéticas entre as várias populações são muito fracas, estando a diversidade genética largamente distribuída entre elas, para que algumas se tenham especializado e superiorizado naturalmente no plano intelectual e se tenham adaptado melhor do que outras à civilização tecno-industrial.»
Artigo de Le Nouvel Observateur, N.° 1420.

Actividades
1.    Leia o texto seguinte:
«É evidente que os humanos se encontram divi­didos num certo número de populações com características próprias: vê-se claramente que os homens não são todos iguais uns aos outros, nem no plano da aparência física, nem no que diz res­peito ao modo de vida. Porém, os biólogos demonstram que estas desigualdades têm tendên­cia a esbater-se: já é impossível distinguir actual­mente uma «raça» humana pura, e tudo indica que, em breve, deixará de ser possível diferenciar os homens uns dos outros. Somos todos mestiços e sê-lo-emos cada vez mais.
Por outro lado, aquilo que nos parece caracte­rizar os diversos tipos humanos — a cor da pele, por exemplo não apresenta, para o biólogo, um grande valor científico. Os únicos elementos gené­ticos que traduzem realmente a individualidade de um ser encontram-se escondidos no nosso organismo, como é o caso das características san­guíneas. Ora, estas características não correspon­dem aos elementos que nos parecem específicos daquilo a que chamamos as «raças» humanas: por exemplo, a raça «branca», a «amarela», a «negra».
Em 1900, a descoberta dos grupos sanguíneos abriu uma primeira brecha na crença segundo a qual os homens só se distinguiam uns dos outros pela aparência física ou pela cor da pele. Concluiu--se que se podia, sem o mínimo problema, fazer transfusões de sangue de um negro para um ama­relo, de um vermelho para um branco, desde que pertencessem a um grupo sanguíneo compatível.
A descoberta do sistema HLA, que valeu o Prémio Nobel da Medicina ao francês Jean Dausset, introduz uma segunda demonstração, ainda mais perturbadora. Está provado que a nossa individualidade biológica fundamental depende de um sistema que se encontra nos gló­bulos e que comanda uma compatibilidade essen­cial — a que, por exemplo, permite ou não uma transplantação entre dois seres. Este sistema é muito mais complexo do que o que rege os grupos sanguíneos: comporta mais de mil milhões de combinações diferentes entre cada elemento.

O racismo integra a sua própria destruição, na medida em que lhe é totalmente impossível demonstrar que uma raça possui, biologicamente, seja que vantagem for. Se cer­tas populações se desenvolveram melhor e mais rapidamente do que outras, é unicamente por­que encontraram condições mais favoráveis ao progresso cultural — mas nunca por serem naturalmente mais aptas para o fazerem. Porque todos os humanos possuem as mesmas capaci­dades para inventar, para criar, para se organi­zarem.
Também neste campo o acaso foi determinan­te: foi o acaso que permitiu a certas populações acharem-se, há 10 000 anos, nas regiões do Próximo Oriente, onde depararam com facilida­des de vida excepcionais que favoreceram a eclo­são de uma civilização branca e técnica, a qual, em grande parte, continua a ser a nossa. Porém, um tal acontecimento poderia ter perfeitamente ocorrido num outro local, no seio de outros gru­pos humanos, caso tivessem existido condições idênticas.
Seja como for, há uma coisa que é mais que evidente: a vontade dos racistas de lutarem contra a mestiçagem e o seu desejo de salva­rem a «pureza» da raça é um duplo erro. Primeiro, porque já é demasiado tarde: há vári­os milénios, ou mesmo há mais tempo, que os homens não cessam de se mestiçar e continua­rão a fazê-lo. Em seguida, e sobretudo, é evi­dente que estas trocas constituem a grande hipótese de sobrevivência da humanidade e a sua riqueza. Os grupos que permaneceram encerrados em nichos ecológicos não evoluíram rigorosamente nada: atente-se nos Pigmeus, nos Bosquímanos da África ou nos Aborígenes Australianos. Aconteceu-lhes o que acontece às raças de animais domésticos que devem a sua existência à selecção artificial dos criadores de gado e que, por isso mesmo, se vêem bloquea­das numa possível evolução: os cavalos de corri­da são rápidos, mas frágeis; as galinhas poedeiras já não sabem, como as galinhas «de campo», alimentar-se de tudo o que encontram. Estas raças artificiais são perfeitas monstruosidades que seriam incapazes de sobreviver sem o apoio do homem, se por acaso as devolvessem à liber­dade da natureza.»
Robert Clarke, Do Universo ao Homem, Edições 70, pp. 65-69
a)Identifique o tema do texto.
b)Qual a tese defendida?
c)Que argumentos apresenta R. Clarke a favor da sua tese?



2. O racismo enquanto doutrina não tem credi­bilidade científica. No plano teórico, pode-se falar de vitória do saber científico. Contudo, enquanto facto, o racismo está vivo. Dir-se-ia tra­tar-se de uma paixão que não cede perante argu­mentação alguma por mais racional e fundamen­tada que ela seja. É um preconceito que prevale­ce sobre todas as condenações morais e os des­mentidos científicos de que é alvo.
Como compreender o fracasso do conheci­mento científico em modificar o comportamento humano a respeito do racismo? Numa época dominada pela mentalidade científica, por que razão não consegue a ciência adoçar os costumes e triunfar sobre essa irracionalidade que é o racismo? Em suma, porque continuamos, em geral, a ser racistas, apesar de isso não ter fun­damento científico?
A reflexão, individual ou em grupo, pode orientar-se pelas seguintes hipóteses explicativas que deverão ser debatidas e, inclusive, comple­mentadas pelos alunos:
Hipótese 1 — «A antropologia física clássica, até aos anos 50, estava muito próxima da intui­ção imediata, do senso comum. Classificavam-se os seres humanos em tipos definidos pelos caracteres mais evidentes — a cor da pele, a forma do rosto, etc. Esta tipologia estava de acordo com o senso comum. O desenvolvimento da genética das populações provocou uma pro­funda ruptura. Já não raciocinamos em termos de tipos, mas sim de grupos humanos e de esta­tísticas. O Branco, o Negro, o Amarelo são repre­sentações fáceis de aprender, embora não sejam cientificamente exactas. É muito mais difícil vul­garizar — tornar acessível ao senso comum — um conceito como o da distância genética.
Mesmo a noção de gene não é evidente. Os cientistas acreditaram que bastava difundir os novos conceitos para automaticamente extin­guir a paixão racista. Não se aperceberam de que o homem da rua não os podia acompanhar nas suas complicadas demonstrações. E as pesso­as continuam agarradas a antigas "evidências": "eles não são como nós"; "a sua comida cheira mal"».
Pierre-André Taguieff, Face au racisme, La Découverte.

Hipótese 2 — «Uma das origens mais eviden­tes do racismo, se não a mais importante, é a da vantagem pessoal. Se com autoridade decidir­mos que certos indivíduos são de "qualidade" inferior a nós próprios, podemos, com toda a tranquilidade de consciência, tirar partido desta situação para obrigar estes grupos a cumprir acções servis, que nos trazem vantagem e são consideradas como correspondendo, com toda a equidade, ao nível inferior da considerada cate­goria de indivíduos.»
Hipótese 3 — O preconceito racial é inato.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

TESTE - VERSÃO 1 - CORREÇÃO



1. A assimilação é processo de:
A. Modificação do ambiente pelas estruturas cognitivas.
B. Equilibração entre o ambiente e as estruturas cognitivas.
C. Adaptação ao meio, a partir da experiência cognitiva.
D. Integração da experiência nas estruturas cognitivas.

2. Segundo Piaget, a adaptação é um processo que resulta:
A. Da maturação biológica; os esquemas mentais vão-se diferenciando, transformando a experiência física em experiência cognitiva.
B. Do desequilíbrio das ações recíprocas entre o organismo e o meio; os esquemas mentais vão-se diferenciando progressivamente.
C. Da equilibração das ações recíprocas entre o organismo e o meio; os esquemas mentais vão-se complexificando progressivamente.
D. Dos reflexos; os esquemas mentais organizam-se em estádios progressivamente mais complexos e mais diferenciados.

3. A adolescência caracteriza-se pela capacidade de efetuar operações concretas. Esta afirmação é:
A. Verdadeira, porque as operações concretas são caraterísticas do estádio pré-operatório.
B. Falsa, porque a adolescência carateriza-se pela capacidade de efetuar operações formais.
C. Verdadeira, porque a adolescência carateriza-se pela capacidade de simbolizar.
D. Falsa, porque as operações concretas são caraterísticas do estádio sensório-motor.

4. Segundo Piaget, a construção do objeto permanente inicia-se durante o estádio:
A. Sensório-motor, quando o bebé reconhece como existente um objecto que desapareceu.
B. Das operações concretas, quando a criança constrói a noção de conservação da matéria.
C. Pré-operatório, quando a criança começa a ser capaz de realizar operações reversíveis.
D. Sensório-motor, quando o bebé começa a ser capaz de identificar o rosto materno.

5. Segundo Piaget, a função simbólica surge no início do estádio sensório-motor. Esta afirmação é:
A. Falsa, porque a função simbólica é característica do estádio pré-operatório.
B. Verdadeira, porque a função simbólica permite ao bebé a imitação diferida.
C. Falsa, porque no estádio sensório-motor a criança adquire a reversibilidade de pensamento.
D. Verdadeira, porque no estádio sensório-motor a criança substitui objetos por imagens.

6. Segundo Piaget, a realização de operações sobre ideias, como comparações ou inferências, é característica do estádio:
A. Sensório-motor.
B. Pré-operatório.
C. Das operações concretas.
D. Das operações formais.

7. Segundo a perspetiva interacionista:
A. Somos o resultado da influência do meio.
B. As crianças diferem quantitativamente dos adultos.
C. O desenvolvimento é um processo dinâmico em que se combinam de forma interativa factores genéticos, maturacionais e educativos.
D. Não há diferenças qualitativas entre os diversos estádios do desenvolvimento.

8. Segundo Piaget, a adaptação consiste:
A. No equilíbrio entre equilibração e assimilação.
B. No progressivo equilíbrio entre assimilação e maturação.
C. Em ajustar os esquemas às modificações do meio.
D. No progressivo equilíbrio entre a incorporação dos objetos na actividade do sujeito e o reajustamento dos esquemas em função das modificações do meio.

9. A alteração da organização cognitiva do sujeito suscitada por transformações ocorridas no meio tem o nome de:
A. Prontidão para aprender.
B. Maturação.
C. Acomodação.
D. Assimilação.

10. A transformação dos esquemas cognitivos existentes com vista a uma melhor resposta aos desafios do meio denomina-se:
A. Assimilação.
B. Equilíbrio.
C. Acomodação.
D. Evolução.

11. A relação bem sucedida com novas situações ambientais baseada na organização cognitiva já existente denomina-se:
A. Assimilação.
B. Acomodação.
C. Equilibração.
D. Descentração.

12. Para Piaget, a inteligência:
A. É o conjunto de estruturas que um organismo possui numa dada fase do seu desenvolvimento.
B. É o pensamento simbólico.
C. Desenvolve-se a partir da perceção.
D. É um conjunto de ações interiorizadas baseadas em estruturas inatas.

13. Para Piaget, o desenvolvimento cognitivo tem como ponto de partida a perceção. Esta afirmação é:
A. Falsa, porque as estruturas cognitivas são inatas.
B. Verdadeira, porque o estádio sensório-motor é o estádio inicial do desenvolvimento.
C. Falsa, porque é a ação, da qual a percepção é um elemento, o ponto de partida do desenvolvimento intelectual.
D. Verdadeira, porque todos os nossos conhecimentos têm origem nas sensações.

14. Uma das grandes aquisições do estado sensório-motor, na sua parte final, é a noção de permanência do objecto. Esta aquisição significa que:
A. A criança pensa que o objeto deixa de existir quando desaparece do seu campo visual.
B. Já se pode falar de realidade objectiva, de diferenciação sujeito-objecto, porque o objecto tem carácter de permanência.
C. Impera o egocentrismo sensório-motor.
D. A criança só manifesta interesse pelo que está ao alcance da sua visão.

15. Uma criança que procura um objeto no lugar onde previamente o encontrou, em vez de o procurar no lugar onde habitualmente está guardado ou escondido, revela:
A. Que ainda não desenvolveu plenamente a noção de permanência do objeto.
B. Que a existência dos objetos fora do alcance da sua ação e da sua perceção é esquecida.
C. Que é capaz de gestos simbólicos.
D. Que já construiu plenamente a noção de permanência do objeto ou de objeto permanente.

16. A capacidade de representação simbólica, ligada ao surgimento da linguagem e do pensamento:
A. Marca o fim do estádio sensório-motor e o início do estádio pré-operatório.
B. Implica que à criança é possível representar objetos e ações por meio de símbolos.
C. Significa que no início do estádio pré-operatório a criança já é capaz de compreender conceitos gerais.
D. A) e B).


17. O estádio pré-operatório:
A. Divide-se em dois subestádios: o pensamento pré-conceptual ou mágico (dos 2 aos 4 anos) e o pensamento intuitivo (dos 4 aos 7 anos).
B. É o estádio do pensamento pré-lógico.
C. É o estádio em que as ações interiorizadas ou mentais não são dotadas de reversibilidade (em que não há reversibilidade do pensamento).
D. Todas as afirmações são verdadeiras.

18. O pensamento pré-conceptual:
A. É um tipo de pensamento representativo constituído por imagens mentais das propriedades particulares dos objetos.
B. É um tipo de pensamento representativo cujos esquemas não diferenciam o geral do particular.
C. É um tipo de pensamento dominado pela imaginação, interpretando a realidade em função dos desejos da criança.
D. Todas as afirmações são verdadeiras.

19. O pensamento pré-conceptual ou mágico traduz:
A. Uma capacidade de distinguir claramente entre acontecimentos psicológicos e físicos.
B. A submissão da realidade à imaginação.
C. Um modo de compreender a realidade que está na origem do realismo, do animismo, do artificialismo e do finalismo.
D. Todas as afirmações são verdadeiras.

20. Qual destas crianças manifesta animismo?
A. Miguel: “O vento sente frio quando sopra contra a montanha.”
B. Joana: “Pai, estou com frio, faz com que o Sol regresse!”
C. Luís: “Está a chover porque tenho um guarda-chuva novo.”
D. Lúcia: “Estou triste porque não posso ir à festa disfarçada de bruxa.”