"Os homens
acreditaram muito tempo que o Sol girava em torno de uma Terra imóvel. O senso
comum pretendia também que se classificasse a humanidade segundo as semelhanças
físicas como a cor da pele, a forma da cabeça, o cabelo, o tamanho...
Durante dois séculos, os antropólogos,
alguns entre os mais eminentes da sua
época, tentaram confortar estas evidências, forjando o conceito de raça. Os
seus trabalhos serviram ao longo da história moderna para justificar as piores
atrocidades, todas as barbáries.
As descobertas da
Biologia moderna, em particular as da Genética, destruíram totalmente aquelas
teorias potencialmente criminosas.
Como diz o Prémio Nobel François Jacob: "Para a nossa
espécie, o conceito de raça não é um conceito operacional." Mediante a análise dos sistemas
sanguíneos, das defesas imunitárias, a
exploração do genoma, a Genética teve acesso às nossas características
moleculares escondidas e forneceu-nos revelações
espectaculares: à excepção dos verdadeiros gémeos, cada um dos cinco biliões de seres humanos do Planeta
tem um património genético diferente.
Cada indivíduo é único. Paradoxalmente a Genética mostra-nos também o
extraordinário parentesco entre
todas as populações. Estas têm todas aproximadamente os mesmos genes, havendo
todavia frequências variáveis de acordo com os laços mais ou menos
recentes que estabeleceram entre si.
Os
avanços científicos permitem mesmo traçar a história da humanidade. As
conclusões de apaixonadas investigações de várias equipas de
biólogos, confirmadas pelos trabalhos de Paleontologia, revolucionaram
as ideias sobre a evolução do homem moderno. Afirmam a origem única de todas as
populações actuais. O Homo sapiens teria nascido há 100 000 anos
aproximadamente, algures entre a África Oriental e o Médio Oriente. As
populações ter-se-iam
diferenciado em seguida de modo contínuo, de acordo com as suas migrações. E as semelhanças físicas? Elas resultam de uma selecção relativamente rápida onde intervém
de facto a semelhança dos
ecossistemas originais. É esta selecção que explica, por exemplo — escreve André Langaney —, as
convergências entre Papuas e Africanos-Equatoriais, entre Tibetanos,
Ameríndios dos Altos Andes e Esquimós,
etnias geneticamente afastadas.
Se a noção de raça
não tem fundamento, o racismo continua a existir. Há mudanças e relações
sociais que o alimentam. Não obstante, a tarefa mais nobre da ciência
é a de combater as ideias feitas
e recebidas, os preconceitos, isto é, ir para lá das aparências."
Editorial da revista Sciences et
Avenir, 540, Fevereiro de 1992.
O que caracteriza o racista? A tendência para classificar
os diversos grupos humanos em inferiores e superiores, afirmando que
essa superioridade é biológica: a ideia de uma hierarquia baseada na
natureza, a crença de que há homens naturalmente superiores a outros e de que a
cultura e a educarão. não podem modificar esse dado imutável,
comanda a visão racista do mundo. Noutros termos, afirma a existência de
raças (de grupos humanos radicalmente distintos de outros) e a desigualdade
entre as raças: esta raça é superior, aquela inferior e quem
pertence a uma raça inferior será sempre inferior. Assim o racista vê
o mundo.
A ideia de que há grupos ou populações humanas
absolutamente diferentes de outras, de que a humanidade não tem um
"tronco comum", está na base da ideia de raça. Esta ideia conduz o
racista a defender a pureza racial, ou seja, a luta contra a mestiçagem
(casamentos mistos entre, por exemplo entre negros e brancos,
judeus e não-judeus, etc.), contra o intercâmbio cultural, visto sempre como abastardamento.
Para o racista, aqueles que não se defendem destes contactos
nocivos são contaminados pelos outros, "pelos que não são como nós"
e considerados perdidos para a raça. Com o intuito de preservar
a dita pureza racial, tomaram-se, em determinadas épocas da história,
medidas que foram desde o apartheid na África do Sul ao
genocídio de milhões de judeus pelos nazis. O racismo oficial,
institucionalizado, isto é, aprovado como prática de certos Estados, está, ao
que parece, ultrapassado. Contudo, no quotidiano das nossas
sociedades, o discurso racista circula. Depois de ter mostrado a sua verdadeira
face em tragédias humanas como a escravatura de milhões de africanos, o
delírio anti-semita dos nazis e a aberração do apartheid sul-africano, o
racismo é actualmente um discurso fora-da-lei. Mesmo
aqueles que são racistas não o declaram abertamente — sob pena de descrédito
junto da comunidade internacional, da opinião pública — e refugiam-se em
subtilezas como "racialismo", "defesa da identidade da
nação". Seria ingénuo pensar que, se enquanto teoria ou discurso
político o racismo parece ter desaparecido, ele não se manifeste em actos.
O racismo teve durante muito tempo pretensões científicas
e muitos homens considerados "cientistas" tentaram dar-lhe um
fundamento científico. A actual investigação científica nega qualquer base
objectiva a essa ideologia nefasta, considerado o atentado supremo aos direitos
humanos. A Biologia mostrou que a noção de raça — e por consequência a ideia
de desigualdades inevitáveis, porque de origem natural — é cientificamente inaceitável.
Na actualidade muita gente acredita
erradamente que os seres humanos podem com facilidade separados em raças
biologicamente diferentes. O que não é surpreender dado muitos teóricos terem
feito numerosas tentativas para classificar a população mundial por raças.
Alguns autores distinguiram quatro ou cinco raças principais, enquanto outros
reconheceram nada menos que três dúzias. Contudo, foram encontradas demasiadas
excepções nestas classificações para que fossem consideradas válidas.
Pressupõe-se, por exemplo, que o
«negróide», uma tipologia usada com muita frequência, seja composto por pessoas
com pele escura e cabelo encarapinhado, para além outras características
físicas. Contudo, os primeiros habitantes da Austrália, os aborígenes, têm pele
escura, mas cabelo ondulado e, por vezes, loiro. Pode encontrar-se uma série
exemplos que desafiam qualquer classificação simples. Não há, para sermos
rigorosos, raças, mas apenas uma gama de variações físicas de seres humanos. As
diferenças de tipo físico dos grupos de seres humanos resultam da procriação da
população, a qual varia de acordo com o grau de contacto entre diferentes
grupos sociais e culturais. Os grupos populacionais humanos não são distintos,
formam um continuum. A diversidade genética dentro de uma mesma população que
partilhe óbvios traços físicos é tão grande como a diversidade entre
populações. Estes factos levam muitos biólogos, antropólogos e sociólogos a
concluir que o conceito de raça devia ser completamente posto de lado.
Anthony Giddens, “Sociologia”, Fundação Calouste Gulbenkian
As Aparências iludem
As aparências evidentes são enganadoras. Uma
jovem do Congo à esquerda, um indiano no meio e um melanésio
à direita... as distâncias genéticas constantes entre as populações africana e
melanésia são contudo das mais amplas possíveis. O indiano, situado a meio
caminho genético e geográfico entre estes dois
extremos, confirma que as divisões imaginadas a partir de critérios físicos (a cor da pele, a forma do rosto) não têm
fundamento científico.
Estas três pessoas, um navajo, à esquerda, um
inuit, ao meio, e uma tibetana, à esquerda, apresentam uma
semelhança física extraordinária. As suas três regiões de origem, os Estados Unidos, a Gronelândia e a Ásia Central, estão contudo a milhares de
quilómetros umas das outras. As "convergências" do
aspecto físico resultam de processos selectivos recentes e "escondem" diferenças genéticas significativas. Não são,
portanto, um indício fiável de uma origem comum.
Informação
complementar
1. Não há raças
«A Genética das
populações humanas actuais fornece dois
resultados extremamente simples sobre os quais não há o mínimo desacordo
entre os especialistas. O primeiro, conhecido há já trinta anos, mas do qual se está longe de tirar todas as consequências, é o de que a procriação sexuada não produz nunca duas vezes o mesmo indivíduo. À
excepção dos gémeos verdadeiros, cópias conformes saídas
de um mesmo ovo, os 5 biliões de homens modernos
actuais, e os quase 75 biliões que os antecederam, não
receberam nunca duas vezes o mesmo património genético. Este património de três
milhões de sinais por pessoa, cuja organização o
projecto "Genoma humano" tenta explorar, varia
sistematicamente de indivíduo para indivíduo.
O segundo resultado estabelecido há pouco tempo (e ainda discutido por não-geneticistas cujas opiniões são por ele feridas) é o de que "a maior parte dos genes das populações
humanas estão presentes em todas ou quase todas as
populações, todavia com frequências muitas vezes bastante
diferentes de uma população para outra". Nestas
condições, os genes conhecidos até à data não permitem, em geral, identificar
com certeza a pertença de um indivíduo a uma dada população. Deste
modo, não é possível hoje em dia efectuar
classificações raciais coerentes, nem segundo o ADN, nem os grupos sanguíneos,
nem segundo a cor da pele, nem segundo o tamanho do crânio
ou do corpo.
A diversidade genética dos humanos é enorme e considerável no interior de uma mesma população, e relativamente fraca entre as várias populações, pelo que não pode dar
azo a classificações simplistas.
Estes resultados, hoje evidentes para quem conhece o estado das investigações em Imunologia e Biologia Molecular, são
completamente paradoxais em relação com as teorias passadas da Antropologia
dita clássica (de facto, sobretudo colonial). São também
amplamente contrárias à nossa experiência sensível,
imediata. Estamos habituados a julgar os homens em
termos de semelhanças físicas e em especial se são
parentes próximos: dois irmãos, duas irmãs, um pai e o seu filho "assemelham-se como duas gotas de água", diz-se habitualmente. Os habitantes de uma mesma aldeia, de uma mesma
região "assemelham-se todos"; todos os Chineses [ou os Africanos, ou os Árabes, ou os Franceses] são parecidos. Por hábito julgamos que
as semelhanças físicas servem para
identificar certos grupos e os
distinguir de outros. Mas as aparências enganam: aqueles
que parecem muito próximos sob certos aspectos
superficiais estão mais afastados do que se poderia pensar quanto a aspectos fundamentais que não estão ao alcance
da experiência sensível imediata.
Com efeito, a Genética ensina-nos que o sangue do pai francês cujo filho se parece tanto (exteriormente) com ele pode matar este instantaneamente, ao passo que pode ser salvo por uma transfusão proveniente de um chinês ou de um papua de grupo sanguíneo compatível. Quem é fisicamente
semelhante pode não o ser em termos genéticos, e
vice-versa. (...)
Resumamos os
resultados desta investigação sem precedentes.
O "Homem moderno" — tal como os cientistas o qualificam — teria aparecido há 100 000 ou 150 000 anos, algures entre a África Central e o
Médio Oriente. Impelido pelo gosto das viagens e por uma sexualidade vigorosa — as suas duas
características principais segundo o
paleontólogo Stephen Jay Gould — teria
conquistado sucessivamente a Ásia, a Oceânia, a Europa e a América. Tudo isto no tempo recorde de 60 000 a 80 000 anos. A título de comparação, o
nosso predecessor imediato o Homo erectus, acantonou-se no Antigo Mundo durante 1,5 milhões de anos, sem
atingir a Oceânia nem a América.
No seu ímpeto colonizador, a nossa espécie não teve tempo para formar raças. O "Homem
moderno" não parou de saltar fronteiras, pelo que
nenhuma população esteve isolada o tempo suficiente para se diferenciar fortemente. A mestiçagem generalizada pratica-se há 80 000
anos. As populações actuais podem, contudo, ser
classificadas em sete grandes famílias — Africanos, Caucasianos, Norte-Asiáticos, Ameríndios, Sul-Asiáticos, insulares do Pacífico e Australianos. Estas famílias não são raças no sentido tradicional da palavra e não correspondem à tradicional divisão entre Brancos, Amarelos e Negros. Assim, encontram-se Negros em África e nas ilhas do Pacífico, duas famílias muito afastadas uma da
outra. Outro assunto para meditar: os primos mais próximos dos Europeus são os
Iranianos e os Norte-Africanos. (...)"
Artigo da Revista
Science et Vie, n. ° 540
2. Não há nenhum grupo humano naturalmente superior a
outro
' • '
Do
século XVIII até tempos bem recentes, cientistas ocidentais procuraram provar a
superioridade natural dos
Brancos. Por todos os meios, mas sem sucesso.
«Os
navegadores e os exploradores da Renascença — Cristóvão Colombo em
particular — trouxeram para a Europa narrativas de viagem nas quais
sublinhavam que a aparência física dos homens variava de um continente a outro. Mas foi só no século XVIII que apareceu,
com a ciência da classificação estabelecida pelo botânico
sueco Carl von Linné (1707-1778), a noção de raças humanas. Os Ocidentais sabiam desde a Antiguidade que existiam em África populações de pele
mais escura ou negra — ver os textos de Heródoto ou certas passagens da Bíblia
como o Cântico dos Cânticos, em que a apaixonada diz: "Sou negra, mas sou bela.". Contudo, não tinham ainda
formado o conceito de raça.
Linné divide a
humanidade em quatro raças no seu Systema naturae: ["O Europaeus albus (...)
engenhoso, inventivo, branco, sanguíneo e
governado por leis; o Americanas rubescens (...) contente com o seu destino, amando a liberdade, avermelhado e irascível. Governa-se de
acordo com os seus costumes; o Asiáticas luridus, orgulhoso,
avaro, amarelado, melancólico. É governado pela opinião; o Afer niger, astuto, preguiçoso, negligente, negro, fleumático. É governado pela
vontade arbitrária dos seus sonhos."]
Encontramos nestas
linhas a mistura habitual de caracteres físicos (cor da pele) e morais (preconceitos
racistas) que não resiste à menor crítica. O critério da cor da pele é
contraditório no interior da classificação
de Linné. Que faria ele de um natural do Sri Lanka, completamente negro, mas
que deveria ser amarelado para se
enquadrar na categoria do Asiáticas Luridus? Quanto aos caracteres
morais supostos, para que fosssem
"raciais", seria preciso que não só existissem raças, mas que esses
caracteres fossem efectivamente
hereditários!
Na sequência de
Linné, os cientistas não cessaram de classificar as populações humanas em raças
e de classificar essas raças segundo uma
hierarquia. E qualquer que fosse o critério que empregassem, obtinham sempre o mesmo resultado: os Brancos estavam no cimo da escala,
os Amarelos no meio e os Negros em baixo. Como disse recentemente o
antropólogo americano Peter Farb, para os cientistas europeus da época, esta hierarquia deveria parecer racional porque
"não se tinham os Ocidentais tornado senhores da terra inteira?".
Antes da invenção
da teoria da evolução por Darwin (em 1859), esta hierarquia era justificada,
aparentemente, pela doutrina da Criação. Mas duas escolas enfrentavam-se: a
dos monogenistas e a dos poligenistas. Os primeiros defendiam a teoria de que Adão e Eva
tinham sido criados brancos e que com o
desenrolar do tempo alguns dos seus descendentes tinham conhecido um processo
de degradação do tipo original,
tornando-se a sua pele cada vez mais escura; os poligenistas sustentavam, não hesitando em violar a Bíblia, que existiram
vários e distintos Adãos e Evas. As linhagens dos "Brancos", dos "Amarelos" e dos
"Negros" tinham sido criadas separadamente, pertencendo a cada grupo
diferentes características físicas e mentais. Por exemplo, a raça branca era
apta para o trabalho intelectual e a raça negra para o trabalho manual. A
teoria poligenista foi defendida nos EUA do século xix por cientistas como Louis Agassez e Samuel
Morton, servindo para justificar a escravatura neste país.
A partir do
advento da teoria darwiniana, a existência de raças humanas foi explicada pela
teoria da evolução. Para Darwin, a evolução das
espécies fazia-se mediante o aperfeiçoamento das raças em certas aptidões. Havia forçosamente, para alguns intérpretes desta
doutrina, no seio da espécie humana actual raças
atrasadas no plano das performances mentais, mais próximas do que as
outras do chimpanzé. E os Brancos eram evidentemente a
raça superior.
Todavia, em 1962, um reputado antropólogo americano, que chegou a ser
presidente da Sociedade Americana de Antropologia, Carleton S. Coon,
publicou uma teoria denominada "origem policêntrica das raças humanas". Segundo Coon, as raças branca, amarela e negra não
se tinham formado a partir das mesmas raças da espécie imediatamente
ancestral do Homo sapiens, isto é, o Homo erectus. [Sabe-se hoje
em dia que a espécie macaco ancestral não
deu directamente origem à espécie humana actual Homo sapiens, mas sim em
primeiro lugar a uma espécie de australopiteco. Esta por sua vez deu
origem de seguida à primeira espécie do género
Homo, o Homo habilis, do qual, por seu lado, surgiu o Homo
erectus e finalmente, desta, o Homo sapiens.] Para
Coon, a raça branca teria descendido de uma raça europeia do Homo erectus, a
amarela de uma raça asiática do Homo
erectus e a negra africana dessa mesma espécie de Homo. Como a
espécie Homo erectus apareceu há 1,5 milhões de anos, as aptidões
biológicas das raças humanas actuais teriam tido, segundo Coon, muito tempo para se diferenciar. De acordo
com o mesmo autor, os antepassados das raças branca e amarela, que
sempre tinham vivido sob climas frios, tinham sido determinados pela selecção
natural ao desenvolvimento de uma
inteligência fundada sobre o sentido da inovação técnica (porque a invenção de
utensílios e de técnicas permitia
enfrentar as condições de vida, difíceis naqueles climas). Deste modo, os
"Brancos" e os
"Amarelos" teriam hoje, biologicamente, uma inteligência superior à
dos "Negros". Esta teoria foi retomada na década de 70 pelo geneticista sul-africano J. D. Dofmeyr e por
biólogos franceses de extrema-direita.
Estes últimos publicaram, sob pseudónimo, em 1977, um livro intitulado Raça e Inteligência,
no qual escreviam que a selecção
natural tinha favorecido em África "os indivíduos menos activos", o
que não tornou possível "jogar a favor do desenvolvimento biológico da
inteligência" — contorção estilística para não revelarem abertamente o seu ponto de vista racista, segundo
o qual os "Negros" seriam congenitamente preguiçosos e, por conseguinte, menos inteligentes. As
investigações mais recentes em genética como as de Luigi Luca Cavalli-Sforza ou
de A. C. Wilson provam que a teoria policêntrica de Coon está errada: as populações
mundiais da espécie humana derivam todas de uma mesma população de Homo
sapiens, a aparecida em África há 200 000 anos. Além disso, as
investigações mostraram que as diferenças genéticas entre as várias populações são muito fracas, estando a diversidade genética
largamente distribuída entre elas, para que algumas se tenham especializado e superiorizado naturalmente
no plano intelectual e se tenham adaptado melhor do que outras à civilização tecno-industrial.»
Artigo de Le Nouvel
Observateur, N.° 1420.
Actividades
1.
Leia o texto seguinte:
«É
evidente que os humanos se encontram divididos num certo
número de populações com características
próprias: vê-se claramente que os homens não são
todos iguais uns aos outros, nem no plano da
aparência física, nem no que diz respeito ao modo de
vida. Porém, os biólogos demonstram que
estas desigualdades têm tendência a esbater-se:
já é impossível distinguir actualmente uma «raça»
humana pura, e tudo indica que, em breve,
deixará de ser possível diferenciar os homens uns dos outros. Somos todos
mestiços e sê-lo-emos cada vez mais.
Por outro lado, aquilo
que nos parece caracterizar os diversos
tipos humanos — a cor da
pele, por exemplo — não
apresenta, para o biólogo, um grande valor
científico. Os únicos elementos genéticos que traduzem
realmente a individualidade de um ser
encontram-se escondidos no nosso organismo, como é
o caso das características sanguíneas. Ora,
estas características não correspondem aos elementos que nos parecem
específicos daquilo a que chamamos as «raças» humanas: por exemplo, a raça «branca», a «amarela», a «negra».
Em 1900, a descoberta dos grupos sanguíneos abriu
uma primeira brecha na crença segundo a qual
os homens só se distinguiam uns dos outros pela aparência física ou pela cor da pele. Concluiu--se que se podia, sem o mínimo problema, fazer transfusões de sangue de um negro para um amarelo, de um vermelho para um branco, desde que
pertencessem a um grupo sanguíneo compatível.
A descoberta do
sistema HLA, que valeu o Prémio Nobel da
Medicina ao francês Jean Dausset, introduz
uma segunda demonstração, ainda mais
perturbadora. Está provado que a nossa
individualidade biológica fundamental depende de um
sistema que se encontra nos glóbulos e que comanda uma compatibilidade essencial — a que, por exemplo, permite ou não uma transplantação
entre dois seres. Este sistema é muito mais complexo do que o que rege os grupos sanguíneos: comporta
mais de mil milhões de combinações
diferentes entre cada elemento.
O
racismo integra a sua própria destruição, na
medida em que lhe é totalmente impossível
demonstrar que uma raça possui, biologicamente,
seja que vantagem for. Se certas populações se desenvolveram melhor
e mais rapidamente do que outras, é
unicamente porque encontraram
condições mais favoráveis ao progresso cultural — mas nunca por serem naturalmente mais aptas para o fazerem. Porque todos
os humanos possuem as mesmas capacidades para
inventar, para criar, para se organizarem.
Também neste campo o acaso foi determinante: foi o acaso que permitiu a certas populações acharem-se, há 10 000 anos, nas regiões do Próximo Oriente, onde depararam com facilidades de vida excepcionais que favoreceram a eclosão de uma civilização branca e técnica, a qual, em grande parte, continua a ser a nossa. Porém, um tal acontecimento poderia ter perfeitamente ocorrido num outro local, no seio de outros grupos humanos, caso tivessem existido condições idênticas.
Seja
como for, há uma coisa que é mais que evidente:
a vontade dos racistas de lutarem contra
a mestiçagem e o seu desejo de salvarem
a «pureza» da raça é um duplo erro. Primeiro,
porque já é demasiado tarde: há vários
milénios, ou mesmo há mais tempo, que os homens não cessam de se mestiçar e continuarão a fazê-lo. Em seguida, e sobretudo, é evidente que estas trocas constituem a grande hipótese de sobrevivência da humanidade e a sua riqueza. Os grupos que permaneceram encerrados
em nichos ecológicos não evoluíram rigorosamente
nada: atente-se nos Pigmeus, nos Bosquímanos da
África ou nos Aborígenes Australianos. Aconteceu-lhes o que acontece às raças
de animais domésticos que devem a sua existência
à selecção artificial dos criadores de gado
e que, por isso mesmo, se vêem bloqueadas
numa possível evolução: os cavalos de corrida são rápidos, mas frágeis; as galinhas poedeiras já não sabem, como as galinhas «de campo», alimentar-se de tudo o que encontram. Estas raças artificiais são perfeitas monstruosidades que seriam incapazes de sobreviver sem o apoio do homem, se por acaso as devolvessem à liberdade da natureza.»
Robert
Clarke, Do Universo ao Homem, Edições 70, pp.
65-69
a)Identifique o tema do
texto.
b)Qual a tese defendida?
c)Que argumentos apresenta R. Clarke a favor da sua
tese?
2. O racismo enquanto doutrina não tem credibilidade científica. No plano
teórico, pode-se falar de vitória do saber científico. Contudo, enquanto facto, o racismo está vivo. Dir-se-ia
tratar-se de uma paixão que não cede perante argumentação alguma por mais racional e fundamentada que ela seja. É
um preconceito que prevalece sobre todas as
condenações morais e os desmentidos
científicos de que é alvo.
Como
compreender o fracasso do conhecimento
científico em modificar o comportamento humano a
respeito do racismo? Numa época dominada pela
mentalidade científica, por que razão não
consegue a ciência adoçar os costumes e
triunfar sobre essa irracionalidade que é o racismo? Em suma, porque continuamos, em geral, a ser racistas, apesar de isso não ter fundamento científico?
A reflexão, individual ou em grupo, pode orientar-se pelas seguintes
hipóteses explicativas que deverão ser debatidas e,
inclusive, complementadas pelos alunos:
Hipótese 1 — «A antropologia física clássica, até aos anos 50,
estava muito próxima da intuição imediata, do
senso comum. Classificavam-se os seres humanos em
tipos definidos pelos caracteres mais
evidentes — a cor da pele, a forma do rosto,
etc. Esta tipologia estava de acordo com o senso comum. O
desenvolvimento da genética das populações
provocou uma profunda ruptura. Já não
raciocinamos em termos de tipos, mas sim de grupos humanos e de estatísticas.
O Branco, o Negro, o Amarelo são representações fáceis de aprender, embora não
sejam cientificamente exactas. É muito mais
difícil vulgarizar — tornar acessível ao senso comum — um conceito como o da distância genética.
Mesmo a noção de gene não é evidente. Os cientistas
acreditaram que bastava difundir os novos conceitos
para automaticamente extinguir a paixão racista. Não se aperceberam de que o homem da rua não os podia acompanhar nas
suas complicadas demonstrações. E as pessoas
continuam agarradas a antigas "evidências": "eles não são como nós"; "a sua comida cheira mal"».
Pierre-André
Taguieff, Face au racisme, La Découverte.
Hipótese 2 —
«Uma das origens mais evidentes do racismo, se não a mais importante, é a da vantagem pessoal. Se com autoridade decidirmos que certos indivíduos são de
"qualidade" inferior a nós
próprios, podemos, com toda a tranquilidade de consciência, tirar partido desta
situação para obrigar estes grupos a cumprir acções servis, que nos
trazem vantagem e são consideradas como correspondendo, com toda a equidade, ao nível inferior da considerada categoria de indivíduos.»
Hipótese 3 — O preconceito racial é inato.