- O conceito de inteligência emocional e suas
implicações nas relações interpessoais.
“Qualquer
um pode zangar-se, isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida
certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa não é fácil”.
Aristóteles
Aristóteles
Hélder era um jovem genial mas falhou na vida. Era
genial e sabia – o mas tinha um defeito grave. Era demasiado arrogante. Quando
criança, tinha o irritante prazer de desvalorizar os colegas, mostrando – lhes
quão pouco sabiam e que eram muito menos espertos do que ele. Com os adultos
adoptava uma táctica diferente. Adoptava comportamentos insolentes que queriam
dar a entender aos adultos que estes eram mais velhos e mais fortes mas que
eram menos inteligentes e capazes do que ele. Era previsível que estas atitudes
e comportamentos causassem vários conflitos. Para piorar as coisas era um
indivíduo emocionalmente instável: ora comunicava de modo expansivo com os
outros, ora se fechava completamente não querendo saber de ninguém. Além disso,
parecia não saber controlar os seus impulsos. Quando queria uma coisa, queria –
a logo, imediatamente. Esperar, ter paciência, era para os outros, não para
ele. Conseguia ser simpático e boa companhia mas só quando queria. No fundo,
para ele os outros não contavam. Não parecia realmente interessado nas outras
pessoas. As relações que desenvolveu foram temporárias, sem grande significado.
Relações vazias. Este feitio acabou por transformar uma brilhante promessa num
indivíduo que não cumpriu o que dele se esperava. Os graves problemas por que
passou na escola e mais tarde na vida (acabou isolado porque ninguém tinha
paciência para suportar a sua arrogância e a tendência para fazer dos outros
criados de servir dos seus interesses e manias) deveram – se a uma falta de
tacto e de sensatez nas relações com os outros. O que tinha «a mais» em
inteligência cognitiva, faltava – lhe em inteligência emocional. Sob certos
aspectos, era brilhante, um sobredotado. Sob outros aspectos, um indivíduo com graves
problemas de desenvolvimento. Teve uma vida improdutiva, conflituosa e infeliz.
A inteligência
emocional é uma forma de inteligência ligada à capacidade de reconhecer e
gerir as nossas emoções, de nos compreendermos, de compreender as intenções e
sentimentos dos outros, de nos automotivarmos mas também de restringir os
nossos impulsos para que saibamos relacionar – nos com os outros.
Segundo Daniel Goleman, criador do conceito de
inteligência emocional, um conceito de inteligência baseado somente em
capacidades cognitivas é demasiado redutor e limitado. Afirma que mesmo pessoas
com QI elevado não são necessariamente bem sucedidas na vida, fazendo coisas
que muitas vezes nos parecem disparatadas. Nada impede que uma pessoa com
excelentes resultados em testes de quociente intelectual
seja fraco estudante universitário e mau profissional.
Goleman acredita que estas situações desconcertantes derivam de falta de
inteligência emocional.
Na verdade, boa parte das nossas acções são guiadas
pelas nossas emoções e não pelas nossas habilidades e competências
intelectuais. Segundo Goleman, a inteligência emocional é uma capacidade
multifacetada de adaptação ao meio. Quem é dotado de inteligência emocional tem
uma boa percepção dos seus estados emocionais, autocontrolo, um apurado sentido
de avaliação das suas capacidades, autoconfiança, flexibilidade na adaptação às
mudanças, capacidade de iniciativa e de inovação e gosto por desafios cuja
resolução esteja relativamente a o seu alcance. Um exemplo de pessoa com
inteligência emocional é a que, estabelecido um objectivo, o persegue razoavelmente,
não transformando pequenos obstáculos em razões para desistir. Determinação e
autoconfiança realista são as palavras correctas para caracterizar a pessoa com
inteligência emocional. Não é necessário ser uma pessoa intelectualmente
brilhante para ter este tipo de inteligência. Na verdade, há pessoas intelectual
ou cognitivamente muito dotadas que, por falta de automotivação e de
autoconfiança, fracassam na vida.
1.1.
As principais componentes da inteligência
emocional.
Daniel Goleman sugere que a inteligência emocional é uma habilidade
constituída por várias aptidões: O
conhecimento ou consciência das nossas emoções; saber gerir e controlar essas emoções; capacidade de automotivação; saber reconhecer as emoções dos outros e
ser capaz de estabelecer e de manter relações com os outros que sejam
relativamente estáveis e duráveis.
A – Auto
– conhecimento: o conhecimento ou consciência das nossas emoções.
Parece estranho, mas nem sempre somos capazes de reconhecer ou identificar
os nossos sentimentos e emoções. Ora quem não tem esta percepção relativamente
clara do que sente – Será que gosto dela? Será que este trabalho me vai
realizar? Será que tenho vocação para médico? – muito dificilmente fará
escolhas inteligentes. Daí resultam casamentos fracassados, insatisfação
profissional, etc. Como quem não se conhece bem em termos emocionais, não sabe
dar a entender aos outros os seus reais sentimentos – não os exprime
adequadamente – as relações interpessoais são prejudicadas. É próprio das
pessoas com este tipo de habilidade emocional, saberem
se as suas decisões são dirigidas por pensamentos ou por sentimentos.
B – Auto
– controlo: saber gerir e controlar as emoções.
Por vezes reconhecemos que «perdemos a cabeça», que não soubemos controlar
as nossas emoções e reagimos irritados a um comentário que devíamos ter tratado
com uma certa ironia e sarcasmo. Por vezes, sentimos a necessidade de realizar
uma certa actividade para reduzir a ansiedade, evitar que a tristeza tome conta
de nós ou mesmo que fiquemos deprimidos. Não é conveniente que nos deixemos
dominar por certas emoções porque isso perturba a nossa saúde mental e as
relações com os outros. Devemos saber controlar o nosso temperamento um pouco
impulsivo porque os outros não andam neste mundo para nos «aturar». Quantos
empregos se perdem e casamentos e namoros acabam por causa de não sabermos
dosear os nossos impulsos.
As pessoas dotadas desta qualidade sabem dar valor às «pequenas coisas da
vida», como ouvir música agradável, tomar um bom banho, comprar um presente
para si ou para alguém de que gostam, e transformam pequenos sucessos – como
não esturrar o arroz de ervilhas numa fonte de satisfação. Procuram retirar das
pequenas actividades do quotidiano – que para muitos de nós são corriqueiras e
desinteressantes – um grau de satisfação que é superior ao valor da actividade
considerada em si mesma. Reconhecem as suas forças e fraquezas e são capazes de
rir de si mesmas.
C – Auto
– motivação: saber automotivar – se.
É importante que uma pessoa saiba motivar – se quando tem pela frente um
longo e árduo trabalho, mantendo um certo grau de entusiasmo e optimismo acerca
dos resultados do esforço. Outra coisa importante: saber adiar a recompensa
final, mesmo que para isso tenha de renunciar a gratificações intermédias e
mais pequenas.
Sabe – se que os americanos valorizam muito os testes de QI. Os americanos
de origem asiática superam outros grupos étnicos nesse tipo de testes. Têm
grande sucesso em termos de ocupação de empregos e são considerados
profissionais muito bons. Contudo, o seu QI está muito próximo da média geral
dos americanos. Não é aí que reside a diferença decisiva que explica o seu sucesso.
Então por que razão são tão bem sucedidos? Provavelmente porque têm altos
índices de motivação para o sucesso, maior capacidade de suportar longos
esforços e de manterem a motivação a níveis relativamente elevados durante os
processos de candidatura a empregos e durante o exercício dos cargos a que
ascenderam.
D –
Saber reconhecer as emoções e sentimentos dos outros.
Quando dava aulas em Vila Franca e morava em Lisboa
costumava fazer parte do percurso na companhia de alguns alunos e alunas. Certa
vez, um deles, um rapaz muito extrovertido e falador decidiu contar o que tinha
feito na aula de Francês. A viagem durava vinte minutos e qualquer pessoa
contaria a história em 3 ou 4 minutos. Mas não. O Marco gastou a viagem toda a
contar o que fizera, enchendo o relato de pormenores deslocados e sem
interesse. A certa altura, já estava tudo «enjoado» e sem a menor paciência.
Ninguém se manifestou, contudo. Tive vontade de interromper o Marco para lhe
dizer que concluísse mas contive – me para não ser indelicado. Assim fizemos
todos desejando que o comboio fosse de alta velocidade. Todos demos a entender
pela evidente falta de entusiasmo e de atenção, que A conversa do Marco já não
interessava a ninguém mas ele não notou. Se porventura eu o avisasse talvez ele
tivesse respondido «O que o leva a pensar isso? Como pode ter a certeza disso?»
Marco como podem adivinhar não era muito dotado quanto a inteligência
emocional porque não distinguia com facilidade as emoções dos outros. Era
flagrante a sua incapacidade em indicadores não – verbais de enfado e
descontentamento dos outros com a sua conversa. Esta capacidade é importante
porque se não soubermos reconhecer o que os outros sentem por nós ou como se
sentem na nossa companhia é difícil estabelecer relações significativas com
eles. Os políticos, os publicitários e os vendedores de produtos, são um
exemplo claro deste tipo de inteligência emocional. Têm a capacidade de
rapidamente perceber como os outros irão reagir às suas palavras, de que
assuntos devem falar e que temas devem evitar. Não vê nenhum político com
ambições de poder, a pôr em causa a Igreja católica ou a aventurar – se em
temas como o aborto e a eutanásia, temas sobre os quais a sociedade está muito
dividida. Além de saberem reconhecer o que vai agradar ou desagradar aos
ouvintes e espectadores também sabem manipular as suas emoções.
Quem não sabe reconhecer as emoções e sentimentos dos outros não está em
boas condições para desenvolver empatia,
ou seja, de ser capaz de
se identificar com outras pessoas, de se colocar no papel dos outros antes de
julgá-los, e de trabalhar sempre na solução dos problemas, e não no crescimento
das divergências.
E – Habilidades Sociais: Saber
regular e gerir as relações com os outros.
Todos conhecemos pessoas que têm um jeito especial para se darem com os
outros. Parece fácil fazer com que os outros gostem delas. Normalmente, são
indivíduos que conseguem altos níveis de sucesso nas suas carreiras. O que
exige saber gerir as relações com os outros e desenvolver ligações
gratificantes? Todas as componentes anteriormente referidas são importantes. Em
termos mais específicos, o segredo está em ter uma imagem positiva de si, saber
reconhecer as consequências das suas acções e decisões respondendo por elas
quando algo não corre bem, ter espírito de cooperação, saber compreender os
sentimentos e dificuldades dos outros, ser capaz de coordenar os esforços de
várias pessoas, de negociar soluções para problemas interpessoais complexos,
ser um «bom jogador de equipa», saber conduzir determinado projecto e também
saber ser conduzido, «jogar limpo», ir tanto quanto possível até ao fim dos
compromissos que estabeleceu, valorizar a franqueza, saber ouvir os outros e
não monopolizar a conversa ou o debate como se só valesse a pena ouvi – lo, ter
abertura suficiente para, sabendo que é arriscado, falar dos seus sentimentos e
compreender os sentimentos e preocupações dos
outros e adoptando a sua perspectiva por reconhecer as diferenças no modo como
as pessoas se sentem em relação a factos e comportamentos.