A vida psíquica do ser humano desenrola-se sob o signo do conflito.
Os conflitos e incidentes mais marcantes na nossa evolução
psíquica remontam, segundo Freud, à época da infância (primeira infância,
sobretudo).
Os conflitos característicos da primeira infância podem ser
resolvidos, seguindo-se um desenvolvimento psíquico saudável. Mas, como
acontece muitas vezes, podem ser mal resolvidos ou mesmo não resolvidos. Isto
significa que são recalcados e reprimidos, afastados para longe da nossa
consciência. Que esses conflitos se tornem inconscientes não implica de modo
nenhum que sejam desativados ou deixem de existir. Com efeito, não se
manifestando diretamente ao nível da consciência, tais conflitos e incidentes
traumáticos continuam a afetar o nosso comportamento e a nossa personalidade
sem disso termos consciência. Quer isto dizer que se manifestam de forma indireta
provocando perturbações psíquicas, desordens no comportamento e sofrimentos
físicos. Como esses conflitos e incidentes foram recalcados (tornam-se
inconscientes), são, sem que o saibamos, a causa dos nossos atuais padecimentos
físicos e psíquicos.
É esta “falha” que a terapia psicanalítica, no sentido tradicional
do termo, pretende colmatar. Durante o tratamento psicanalítico, o terapeuta
tenta conduzir o paciente à origem, até aí inconsciente, dos seus males, ou
seja, tenta trazer os conflitos e traumas inconscientes (recalcados) à
consciência.
Freud estava plenamente convicto de que, à medida que o
Inconsciente se torna consciente, o doente pode aperceber-se do modo como
certos acontecimentos da sua infância determinaram o seu comportamento atual.
Relembrar os traumas da infância torna o paciente capaz de resolver conflitos
que não pôde resolver no passado. Primeiro, porque se apercebe de que as
condições que determinaram esses conflitos já não existem (eram conflitos da
infância). Segundo, porque pode, confrontando-se com essas vivências passadas,
rever a atitude que tomou a seu respeito e desenvolver comportamentos mais
saudáveis.
Segundo Freud, esta “catarse” ou libertação de tensões e
ansiedades é possível mediante a consciencialização de um conflito doloroso.
Freud observou, nos seus pacientes, que “reviver” um incidente traumático e
perturbador produzia uma espécie de alívio emocional. Por outras palavras, esse
incidente doloroso perdia muita da força e intensidade que tinha. A sua
influência no comportamento da pessoa tornava-se bem menor pelo que uma vida
mais saudável era, a partir daí, possível.
A terapia psicanalítica afirma que as perturbações psíquicas e as
desordens do comportamento derivam (são sintomas) de conflitos inconscientes.
Os sintomas de tais conflitos não desaparecem por se ocultar ou
esquecer as suas causas. Assim, para que as perturbações e desordens (tensões e
ansiedades) que nos continuam a fazer sofrer possam ser ultrapassadas é
necessário trazer à luz da consciência os conflitos ou incidentes recalcados.
Reconhecer a causa profunda, inconsciente até então, dos nossos males é a
condição para que possamos viver melhor, menos tensos e ansiosos.
Técnicas e processos do método
psicanalítico
Desocultar os traumas psíquicos inconscientes, isto é, trazê-los à
luz da consciência para que o paciente lide efetivamente com eles, não é tarefa
fácil. Tal dificuldade deve--se ao facto de o Ego ter poderosos mecanismos de
defesa que bloqueiam o acesso à consciência dos conteúdos inconscientes. Para
desbloqueá-los são necessárias técnicas que “enganem” ou ludibriem a vigilância
do Ego. As duas técnicas são a livre associação e a interpretação dos sonhos.
Além destas duas técnicas, há dois processos que acompanham a terapia
psicanalítica: a resistência e a transferência.
O que entende Freud por livre
associação?
A livre associação é um dos princípios fundamentais da terapia
psicanalítica. Consiste no facto de o psicanalista pedir ao paciente que fale
abertamente, de forma espontânea, dos seus desejos, recordações, pensamentos,
fantasias, sonhos, por mais embaraçantes, vulgares, irrelevantes ou mesmo sem
sentido que possam parecer. Sem censura e sem interrupção, o paciente deve
relatar pensamentos e sentimentos tal como eles ocorrem. Constitui-se assim um
puzzle cujas peças o analista, escutando atentamente, vai tentar ligar. No seu
entender, o que o paciente relata e descreve, de forma desordenada e conforme
lhe vem à mente, é um conjunto de pistas sobre o que se passa no Inconsciente.
As livres associações, aparentemente ilógicas, “sem ponta por onde se pegue”,
são expressões simbólicas de desejos, recordações e sentimentos recalcados no
Inconsciente e que estão na origem dos problemas psicológicos e físicos de que
padece a pessoa psicanalisada.
Para tornar mais fácil a livre associação o paciente deve estar à
vontade: deita-se num divã ou senta-se numa cadeira confortável enquanto o
analista, que fala só quando estritamente necessário, se senta fora do seu
campo de visão. O analista intervém para, quando for caso disso, apresentar uma
interpretação do que o paciente diz e faz.
Em
que consiste a interpretação dos sonhos e qual a sua importância no quadro da
terapia psicanalítica?
A descrição de sonhos mediante a técnica da livre associação é um
dos elementos da terapêutica
psicanalítica. Freud dá um relevo especial à análise e interpretação dos
sonhos. Porquê? Porque a censura, durante o sono, perde grande parte da sua eficácia
na repressão das manifestações do Inconsciente. Os sonhos são, segundo Freud,
“a estrada real de acesso ao Inconsciente”, porque sendo suas expressões ou
manifestações relativamente livres, são o meio mais direto de acesso aos
desejos, impulsos e conflitos recalcados do paciente. Não obstante, se a
vigilância da censura diminui durante o sono ela permanece. Por isso, os sonhos
são formas disfarçadas, muitas vezes complexas e confusas, de conflitos e
impulsos inconscientes se revelarem. Há que interpretar, decifrar o seu
conteúdo simbólico. Como interpreta Freud os sonhos? Distingue o seu conteúdo
manifesto do seu conteúdo latente: o conteúdo manifesto é o conjunto de
acontecimentos que ocorrem durante o sonho e de que nos lembramos na manhã
seguinte (é aquilo que sonhámos); o conteúdo latente é o significado profundo
do sonho (aquilo que ele significa). Descobre-se o significado profundo do
sonho — o seu conteúdo latente — considerando os acontecimentos do sonho e os objetos
que nele surgem como símbolos que exprimem, em geral, desejos inconscientes (um
símbolo é aquilo que faz as vezes de, toma o lugar de). O que se verifica, a este respeito, na terapia
psicanalítica? O paciente descreve o conteúdo manifesto, consciente, do sonho;
o psicanalista procura interpretar e decifrar o seu significado escondido,
inconsciente, i. e., desocultar o seu conteúdo latente, considerando, para esse
efeito, que o que se passa no sonho simboliza ou é a manifestação simbólica de
forças, impulsos e desejos que escapam à nossa consciência.
Exemplifiquemos:
Uma paciente relatou um sonho em que comprava num grande
hipermercado um magnífico chapéu muito caro e preto. É este o conteúdo
manifesto do sonho.
Como descobrir o seu significado? As informações recolhidas ao longo
da análise são importantes para a descodificação do sonho, para a revelação do
seu conteúdo latente. Assim, o analista sabe que a paciente está casada com um
homem doente de idade muito avançada e apaixonada por um homem rico, belo e
relativamente jovem.
A interpretação irá considerar cada um dos elementos do sonho como
símbolos de desejos inconscientes, recalcados:
– O belo chapéu simboliza uma necessidade de ostentação para
seduzir o homem amado.
– O preço custoso simboliza o desejo de riqueza.
– O chapéu negro, chapéu de luto, representa simbolicamente a
vontade de se ver livre do marido, obstáculo à satisfação dos seus desejos.
O conteúdo latente do sonho, o seu significado profundo, foi assim
revelado: significava um desejo inconfessável (ver o marido morto).
Para Freud, o conteúdo manifesto do sonho inclui muitos símbolos
que representam o seu conteúdo latente. Estava convicto de que a maioria dos
símbolos no sonho é de natureza erótica porque julgava que a maior parte dos
impulsos e desejos reprimidos no Inconsciente tinha a ver com a nossa vida
sexual.
A sexualidade encontra no sonho uma representação rica e variada.
Freud interpretava como símbolos do órgão sexual masculino os
seguintes objetos: árvores, bastões, chaminés, guarda-chuvas, serpentes, peixes
(semelhantes na forma); lâminas, sabres, facas, espingardas, revólveres (têm o
poder de penetrar e mesmo de ferir). Os símbolos do órgão genital feminino são objetos
que formam uma cavidade na qual algo se pode alojar: cavernas, vasos, caixas, gavetas,
cofres – sobretudo cofres com jóias –, bolsos, minas, fornos, etc.
A união ou o ato sexual é simbolizada por movimentos como subir
escadas, dançar, cavalgar, deslizar e também por acidentes violentos como
sermos esmagados por uma viatura. Outros elementos não propriamente eróticos
representavam simbolicamente pessoas e factos: o nascimento era simbolizado
pela água; a morte, pela partida ou por uma viagem de caminho-de-ferro; os pais
pelo rei e pela rainha; as crianças eram por vezes cruamente representadas por
pequenos animais ou vermes.
A determinação do conteúdo latente do sonho não resulta da pura e
simples aplicação de esquemas simbólicos que, pretensamente, valham para todos
os indivíduos. Como já vimos no exemplo referido, o conhecimento de aspectos da
vida do paciente são importantes. Mas o próprio paciente pode ter uma
participação mais ativa. É o que se verifica quando o analista lhe sugere que efetue
livre associação acerca dos seus sonhos. Trata--se de decompor o sonho nos seus
vários componentes e pedir à pessoa psicanalisada para pensar no maior número
possível de associações relacionadas com cada componente.
Por exemplo, se um homem sonhou que andava a cavalo, o analista
poderia perguntar--lhe que coisas associava a cavalos. Conforme o paciente
fosse efetuando associações lembrar-se-ia, porventura, de uma jovem que
conhecera em aulas de equitação, pela qual se apaixonara mas que não tinha
correspondido ao seu amor. Através do processo de livre associação
concluir-se-á que, provavelmente, o sonho era acerca do amor não correspondido
por essa jovem e expressava simbolicamente um desejo real: ter relações sexuais
com ela.
INFORMAÇÃO
HISTÓRICA
Quando em 1885 começou a tratar uma doente chamada Anna O. (cujo
nome real era Bertha Pappenheim), Josef Breuer descobriu o seguinte acerca
desta doente que sofria de cegueira histérica, paralisia do braço e outros
sintomas neuróticos:
a) Quando Anna falava de si mesma, muitas vezes lembrava-se de
factos há muito tempo reprimidos.
b) Frequentemente, o confronto consciente com esses factos
produzia um alívio dos seus dolorosos sintomas.
A “cura pela palavra” foi desenvolvida por Freud. A técnica da
livre associação nasceu em 1892 com uma paciente chamada Elizabeth. Freud
sugeriu que, deitada, fechasse os olhos e pensasse num dos sintomas de que
sofria, tentando recordar o momento em que dele começou a padecer. Depois de
várias tentativas sem resultado, Elizabeth lembrou-se de algo importante mas
não relacionado com o sintoma. Surpreendido, Freud perguntou-lhe porque
levara tanto tempo a revelar esse facto importante. “Podia ter dito logo mas
não pensei que fosse aquilo que você queria’’ – disse Elizabeth. Este
episódio conduziu Freud a mudar a forma como conduzia as consultas. A partir
de então, decidiu que o paciente devia dar livre curso às suas ideias, falar
com o menor controlo possível por parte do psicanalista. Nasceu assim o uso
da livre associação.
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O sonho tem um conteúdo manifesto – os acontecimentos de que se
lembra quem sonha – e um conteúdo latente ou simbólico – o seu significado
subjacente que se trata de interpretar ou descodificar.
Qual
o papel da resistência e da transferência na metodologia psicanalítica?
A resistência
Intervindo o menos possível, escutando e anotando o que o paciente
descreve acerca da sua vida real e dos seus sonhos, o analista também está
atento a súbitas mudanças de assunto, a silêncios inesperados, a reações
ríspidas do tipo “Isso não tem importância!” ou “Só estou para aqui a dizer
disparates!”. Porquê tal atenção? Porque, segundo Freud, esses comportamentos
são o sinal de que o paciente está a aproximar-se da recordação de
acontecimentos importantes, potencialmente “perigosos” e que, por isso,
mecanismos de defesa tentam mantê-los inconscientes, ocultos.
Freud deu o nome de resistência a esta tendência para evitar o
confronto com assuntos “ameaçadores”. A resistência é um conjunto de manobras
defensivas em grande parte inconscientes destinadas a manter na penumbra
acontecimentos e conflitos perturbadores.
No entender de Freud, a resistência é uma “espada de dois gumes”.
Por um lado, opõe--se ao esforço terapêutico, retarda o seu progresso, podendo
conduzir a um impasse (muitos pacientes têm grande dificuldade em aceitar as
interpretações do psicanalista e abandonam a terapia ou passam a faltar
frequentemente e a denotar falta de colaboração); por outro lado, onde há
resistência, há agitação emocional que assinala a eventual chegada à
consciência de algo até então escondido no Inconsciente (não há fumo sem
fogo!).
A tarefa do analista consistirá em tornar compreensível ao
paciente o fenómeno da resistência de modo a que participe com empenho na
libertação das suas tensões e no esforço de compreensão de si mesmo.
A transferência
A relação do paciente com o analista é outro aspecto importante da
terapia psicanalista. O paciente pode, a certa altura, começar a relacionar-se
com o terapeuta como se ele fosse um pai excessivamente protetor, uma mãe
intolerante e demasiado crítica, um irmão detestável, etc., etc.
Acontece também com frequência que o analista seja objecto de amor
e de afecto. Freud considerou sempre que o psicanalista não é o real alvo
destes sentimentos. É um alvo substituto. Os pacientes transferem para o
analista sentimentos característicos da sua relação com pessoas
significativamente importantes (pai, mãe, irmãos, etc.). Tal como a
resistência, pode ter consequências positivas e negativas.
UM EXEMPLO DE TERAPIA
PSICANALÍTICA: O CASO DO HOMEM DOS RATOS
Um dos casos mais famosos e ilustrativos da terapia
psicanalítica é o de um homem de 29 anos que, de acordo com o caso, Freud
denominou o Homem dos Ratos. Este paciente consultou Freud devido a vários
medos, obsessões e comportamentos compulsivos que se manifestavam há já seis
anos e o tinham impedido de completar os estudos universitários e uma carreira
profissional. Um dos mais reveladores sintomas consistia numa fantasia
obsessiva com uma horrível tortura aplicada ao seu pai e a uma mulher que o
Homem dos Ratos cortejava: um grupo de ratos esfomeados agarravam-se às nádegas
das vítimas abrindo caminho à dentada através das vias naturalmente
disponíveis. Freud utilizou esta fantasia juntamente com outros dados para
interpretar os problemas, melhor dizendo, os sintomas do Homem dos Ratos.
Segundo Freud, a causa imediata das perturbações
comportamentais do Homem dos Ratos era um conflito sentimental: casar ou não
com a mulher que era sua namorada desde os 20 anos. Incapaz de, conscientemente,
tomar uma decisão, permitira ao seu Incons- ciente “resolver” o conflito
tornando-o demasiado doente (produzindo os seus sintomas neuróticos) para
completar os estudos e iniciar uma profissão (que eram pré-requisitos para o
casamento). A causa profunda, de acordo com a interpretação freudiana, era um
conflito edipiano inconsciente, com origem na primeira infância, traduzido numa
relação de amor e ódio em relação ao pai. Estas duas causas estavam ligadas. O
conflito do Homem dos Ratos acerca do casamento era uma reencenação, uma
reactualização simbólica dos sentimentos de amor e ódio a respeito do pai.
Casar com ela seria uma expressão de ódio, não casar seria um ato de amor em
relação ao pai.
A conexão entre os dois conflitos fora, no entender
de Freud, reforçada pela morte do pai pouco depois de o Homem dos Ratos ter
começado a relação sentimental com a mulher em questão. Conhecendo a oposição
do pai ao namoro, o Homem dos Ratos inconsciente e irracionalmente acreditou
que causara a morte do pai ao manter a relação que este detestava. Contudo,
também imaginara inconscientemente e de modo irracional que o seu pai
continuava vivo e que poderia matá-lo outra vez se casasse. Entre os vários
indícios que conduziram Freud às referidas conclusões destacam-se os seguintes:
• Em dado momento da terapia, Freud pediu ao Homem
dos Ratos para associar livremente o conceito “Ratos” (Ratten, em alemão) e imediatamente
o paciente pronunciou Raten que em alemão significa “dinheiro” e também
“índices” da Bolsa. O Homem dos Ratos tinha previamente mencionado que a
namorada tinha pouco dinheiro e que o pai desejava que ele casasse com uma
prima rica. Estes factos sugeriram a Freud que a obsessiva fantasia dos ratos
se relacionava com a oposição do pai ao namoro.
• Em outro momento da terapia, o Homem dos Ratos
descreveu o relato materno de um acontecimento que ocorrera quando ele tinha 4
anos. O pai batera-lhe porque ele mordera a sua ama. O rapaz respondeu com uma
violenta descarga de inúmeras palavras agressivas. Tão surpreendente foi esta reação
que o pai ficou especado e boquiaberto nunca mais lhe voltando a bater. Para a
análise freudiana este incidente possuía grande significado. Segundo Freud,
morder a ama era, para o rapaz, um ato de natureza sexual e o castigo físico
imposto pelo pai contribuíra para o durável receio que o Homem dos Ratos
desenvolveu pela reação do pai aos seus impulsos sexuais. Ao mesmo tempo, o seu
aparente poder sobre o pai – a sua raiva fizera com que o pai parasse e
deixasse de lhe bater – ajudou a fixar no Inconsciente o temor de que poderia
matar o pai zangando-se com ele, contrariando-o. Freud apercebeu-se de ligações
simbólicas diretas entre o incidente infantil e a fantasia obsessiva e horrível
com os ratos: os ratos, mordendo e destruindo o seu pai e a sua namorada,
simbolizavam uma outra criatura pequena e que também mordia – o pequeno rapaz
que, outrora, mordera a sua querida ama e, simbolicamente, mediante palavras
agressivas, o próprio pai.
• O processo da transferência ocorreu igualmente
durante a terapia. O Homem dos Ratos descreveu a Freud uma fantasia em que o
analista (Freud) queria que o paciente casasse com a sua filha. No sonho, a
filha de Freud surgia sem olhos. Em seu lugar estavam duas manchas cinzentas
redondas. Freud interpretou este último elemento como simbolizando dinheiro e a
fantasia como reconstrução simbólica do conflito interno do paciente, surgindo
o analista no lugar do pai que o pressionava para casar com uma prima rica.
• Em outro momento da terapia – que Freud considerou
como o momento decisivo – o Homem dos Ratos saltou do sofá onde estava
recostado durante a sessão psicanalítica e começou furiosamente a insultar
Freud. Refletindo posteriormente sobre este incidente, o Homem dos Ratos
lembrou-se de que a sua súbita fúria era acompanhada pelo medo de que Freud lhe
batesse e que saltara para se defender.
A partir deste momento da análise foi fácil convencer
o paciente a partilhar a interpretação de Freud: os seus padecimentos atuais
tinham a sua raiz naquele incidente de infância quando, fisicamente punido pelo
pai, reagiu com tremenda agressividade verbal.
Esta experiência de transferência ajudou o Homem dos
Ratos a superar a resistência à ideia de que temia e detestava o pai. A
aceitação consciente destes sentimentos conduziu, segundo Freud, à cura dos
sintomas neuróticos. Numa sentida nota de rodapé ao caso, Freud acrescentou que
o Homem dos Ratos viveu saudável pouco tempo. Morreu pouco depois da cura nas
trincheiras da I Guerra Mundial.”
[Peter Gray,
Psychology, Worth,2ª edição pp. 660-661]
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